JUST BEFORE WE BEGIN, de Hugo Cantegrel, na Galeria Foco
JUST BEFORE WE BEGIN, enquanto mostra e título, aponta para o domínio pré-discursivo baseado na sensação que precede a consolidação do conceito. O conceito é construído através da justificação. Pouco antes de começarmos, poderá existir um vazio, onde nos são dados os materiais a partir dos quais um discurso pode ser criado. O conjunto diversificado de ingredientes que cria o discurso é espelhado nos materiais das próprias obras de arte, que incluem cerâmica, néon, imagem digital, plástico, cabo. A exposição tem cinco obras compostas de Hugo Cantegrel, produzidas entre 2019-2020, e está em exibição na Galeria Foco até 27 de março de 2020.
Ao entrarmos no espaço, damos uma resposta visceral aos dispositivos de flutuação (Every man for himself I-V, 2019), feitos em cerâmica e que conjuram o tátil. Os aparelhos aparentemente insufláveis são retirados da água, para serem novamente contextualizados sobre rodas e trazidos para terra, ao ponto de a sua função e materialidade ficarem em segundo plano em relação ao impacto visual da sua utilidade. O que imediatamente se percebe ou acredita ser insuflável é imediatamente posto em causa após uma nova inspeção e a constatação de que se trata realmente de cerâmica. Esta trajetória de “compreensão” abre-se com este trabalho, num processo repetido de sensacionalização, que é parte integrante da racionalização; os dois estão numa união tênsil e não em duplicidade, reafirmando-se mutuamente, não como um paradoxo, mas como uma necessária coabitação de processos que não podem existir separados. Estes dois modos são indivisíveis. Todos os trabalhos são intervenções. Os “ready-made” têm uma utilidade extra, que os coloca para lá do cânone expetável do “ready-made”. Os materiais, na forma das obras expostas, são manipulados, evidenciando a mecânica destes processos. Depois, tornam-se divergentes. O visitante é levado a dividir e a escolher entre eles. A (não) colocação da emoção e da lógica é algo essencial na exposição. De uma forma geral, as obras pretendem inverter a expetativa e jogar com o desejo de criar simultaneamente uma lógica para a existência de algo, enquanto suscitam cenários ilusórios, onde a antropomorfização é uma consequência natural da tendência para a criação de sentido. A exposição é particularmente impressionista. O leque dos fenómenos, desde o emocional ao supersticioso, é exemplificado em quatro monólitos. Neles (Unidentified I-IV, 2019) identificamos anomalias circulares, oriundas de pesquisas no Google, que só existem no consenso sobre aquilo que são anormalidades. A presença destas formas é facilmente visível. Mas, através do seu enquadramento e ampliação, o artista teatraliza estes eventos e participa neles vicariamente.
Esta dramatização é sustentada. Com Sometimes I cry for nothing (2020), um paradoxo emocional, frágil e ampliado, é feito em néon cursivo azul. Apropriado a partir do domínio da linguagem autoexposta, o seu autor é ambivalente. Este sentimento mostra uma emoção crua, mas no seu ser, qualificado como “às vezes” e “nada”, torna-se racionalizado. Do lado oposto ao sinal em néon, encontramos uma impressão ampliada, sem legendas, de uma mulher que olha para fora (You will not be forgotten VI, 2019), in situ; cuja superfície foi intervencionada com néon vermelho, numa emulação dos contornos do tecido do seu casaco. Ao fazê-lo, a artista envolve-se num ato de personalização, dissociando ainda mais o sujeito de seu contexto original. A artista altera espontaneamente os brinquedos de imagem com a poética da autenticidade e falsidade, dentro dos processos maiores de racionalização e sensacionalização.
Aquilo que emerge como peça final da exposição é o trabalho de maior escala, que consiste em curvas de néon rosa onduladas, uniformemente distribuídas, e com os seus respetivos fios (404 (an error has occurred), 2020). A experiência prática do “404” torna um utilizador impotente, incapaz de chegar a uma conclusão ou destino. 404 significa o território inexplorado da rede, que imita a inteligência delimitada e misteriosa daquilo que é “extraterrestre”. Chega-se a um equilíbrio entre eles. Um fica num estado liminar de indeterminação, representado pela subtileza da paleta de cores pastel que açambarca a exposição. Além disso, atua como metáfora para as nuances do espetro emocional. Os processos de racionalização e sensacionalização estão envolvidos numa osmose. Através dela, chega-se a uma conceção flutuante daquilo que se percebe, até que esta descrença e credibilidade, esta superstição e factualidade, cheguem a um equilíbrio mútuo.
Por Josseline Black e Myles Francis Browne