Not Down in any Map
A viagem mais extraordinária da história das artes aconteceu na imaginação de um escritor: aos 36 anos de idade, Júlio Verne editava Viagem ao Centro da Terra sem nunca antes ter visitado o local de ação da estória, a Islândia. Quando de Vinte Mil Léguas Submarinas, não consta também na biografia do autor que Verne tenha experienciado semelhante aventura para depois a imprimir no papel. Na verdade, é bem provável que durante a edição das Viagens Extraordinárias – o compêndio de obras escritas por Júlio Verne – a grande viagem do autor tivesse acontecido apenas no seu gabinete ou numa qualquer secretária da Bibliothèque Nationale de France, rodeado de livros de geografia e de testemunhos e experiências alheias. Os territórios escritos e descritos por Verne existiam numa realidade diáfana, a realidade do sonho ou da imaginação, o que existe entre o facto e a ficção – a realidade da arte. Na arte, o que está para descobrir pelo sujeito é sempre mais curioso do que o que está descoberto. A especulação dos caminhos por tomar, dos lugares por vivenciar, das imagens a captar têm sempre uma carga emocional maior quanto mais ausente fisicamente se estiver dessas especulações. Na privação e na ausência nasce a estória, nasce a obra e o conto. E de livro na mão, no conforto do seu lar, num pequeno objeto que folheia com os dedos e o olhar, o leitor apercebe-se de todo um mundo que tem naquelas palavras, denso em atmosferas e imagens.
Partilhando da ideia de que a arte é, por natureza, o meio predileto para a representação destes mundos, os reais e os imaginários, Not Down in any Map é uma exposição que em poucos nomes e obras consegue mostrar as diversas configurações que as viagens, os territórios, os mundos e os lugares podem ter na arte. Entre o facto e a ficção, a construção e a desconstrução, o texto, o contexto e a imagem, os lugares são escalpelizados pelo que têm de mágico, simbólico, autêntico e, até – ou sobretudo – pelo que têm de politicamente relevante.
Luísa Jacinto abre janelas para espaços mentais desenhados por brumas e mantos translúcidos. As obras de pequena e larga escala são construções dúbias que existem no limiar da consciência e inconsciência. São lugares que existem num estado mental incerto, eventualmente sedado, mas pleno de atmosferas ricas.
Em Marco Pires é notória a transferências dos signos e significados das ferramentas geográficas para o plano da arte. Os objetos a grafite assumem a configuração de mapas na medida em que se apresentam próximos de códigos identificáveis como tal. Nem sempre o território representado é o território real, porque à representação escapa muitas vezes uma informação fenomenológica, ou do estudo de uma experiência, preterida muitas vezes pelo reducionismo lógico.
A coexistência de espécies num mesmo lugar, por vezes pacífica, outras vezes insuportável e cómica, é mostrada por Hugo Brazão. O rato partilha da mesma habitação do homem, viajou com ele durante séculos e milénios nas viagens marítimas e, ainda assim, a sua presença afigura-se-lhe insuportável.
Remetendo para a afetividade dos lugares, mas também para a ideia de recordação, Nuno Henrique concebe uma série de maquetes topográficas que podem ser guardadas em pequenas caixas e transportadas facilmente. O peso físico de um território é substituído pelo peso simbólico que carrega.
Finalmente, em Joanna Piotrowska não temos lugares abstratos, mas antes retratos de indivíduos nos espaços que habitam, repletos de identidade e idiossincrasias, sugerindo que habitante e habitação são entidades simbióticas e que um é o espelho psicológico do outro.
Com a curadoria de Joana Valsassina e Leonor Carrilho, Not Down in any Map é a primeira exposição da Galeria TAG e está patente até 22 de fevereiro.