No.One.Gives.A.Mosquito’s. Ass.About.Trabalho.De.Preto
Uma receita de Nástio Mosquito
“Qual foi a tua última experiência de ‘trabalho de preto’?”
A pergunta é lançada por Nástio Mosquito no contexto da sua mais recente exposição No.One.Gives.A.Mosquito’s.Ass.About.Trabalho.De.Preto, um projeto colaborativo e multidisciplinar que reúne vozes distintas para conjuntamente dissecar e reequacionar a expressão “trabalho de preto”.
A exposição patente no Hangar, em Lisboa, dá sequência ao corpo de trabalho No.One.Gives.A.Mosquito’s.Ass.About.Us, iniciado em Março de 2019 com uma série de performances apresentadas na inauguração da 58ª Bienal de Arte de Veneza. Este projeto expandido no tempo e no espaço propõe uma reflexão alargada sobre diferentes estruturas de poder exercidas sobre o indivíduo e o coletivo e questiona a natureza daquilo que realmente nos preocupa e mobiliza. Cada iteração toma uma forma distinta e incide sobre temas relacionados com o contexto particular em que acontece. O artista tem vindo a explorar as potencialidades plásticas e políticas da linguagem verbal, musical e visual, linguagens essas que se entretecem na instalação imersiva apresentada agora no Hangar.
Entrar no espaço expositivo requer desde logo uma adaptação dos sentidos. Pouco se vê ao início, o espaço é iluminado apenas por alguns globos de luz negra e pela lanterna que nos é dada à entrada para abrir caminho na escuridão. Cada visitante é também munido de um set de headphones para que possa ouvir as nove soundscapes que dão corpo à exposição. Como num pensamento, ressoam vozes entrecortadas, associam-se ideias e emoções de forma não linear, num registo denso e ritmado, ora reflexivo, ora assertivo; ora diarístico, ora panfletário. Testemunhos e manifestos sucedem-se em fluxo livre de consciência.
Os olhos adaptam-se à penumbra e distinguem uma série de livros junto a cada globo de luz negra; na parede vislumbra-se um extenso mural. Os títulos das publicações parecem oferecer caminhos de libertação: Remédios Literários; Diderot e a Arte de Pensar Livremente; Modos de Ver; Espreita: Computadores e Programação; Desobedecer. Mas a escuridão dificulta a leitura de qualquer passagem, materializando barreiras de acesso ao conhecimento, obstáculos a uma vontade de emancipação cultural e social. “O perigo é exigir”, ouve-se. “Eu não tenho ferramentas naturais para discernir”.
O texto que ouvimos é de Nástio Mosquito, o arranjo de André Pinheiro, a música inédita de B-Fachada. A seleção de livros é feita pela Ler Devagar; o mural, que tece relações entre diferentes sistemas de exploração, é da autoria de André Carrilho, executado pela equipa de RAPS_4AC. Estes nomes não são acessórios ou meros adjuvantes: Mosquito explica que esta sua “receita” é feita das expressões de “vários pretos,” com diferentes pontos de partida e diversos pontos de fuga.
A expressão “trabalho de preto,” com toda a sua carga pejorativa, racista e esclavagista, é aqui digerida e reapropriada como termo agregador. Precariedade, discriminação, opressão, exploração são, afinal, mecanismos concorrentes e integrantes do mesmo sistema de poder. Mais do que levantar questões de identidade, Mosquito procura evidenciar relações de interdependência e promover encontros na pluralidade do mundo contemporâneo. E por isso pergunta a “todos os pretos loiros, pretos morenos, pretos acromáticos, pretos das redes sociais, pretos com suposta representatividade”:
“Qual foi a tua última experiência de “trabalho de preto”?
No.One.Gives.A.Mosquito’s.Ass.About.Trabalho.De.Preto está patente no Hangar, em Lisboa, até 15 de fevereiro.