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Sonae Media Art 2019: Francisca Aires Mateus

A Revista Umbigo falou com Francisca Aires Mateus a respeito do seu trabalho, Musica Humana, que lhe valeu a seleção de finalista na edição de 2019 do Prémio Sonae Media Art.

Inspirada em parte pelo Questionário de Proust, a obra Musica Humana foi produzida através do código gerado por fragmentos dialógicos e por uma composição musical correspondente que toca em simultâneo. Musica Humana é por vezes harmoniosa, por vezes cacofónica, próxima do delírio. Desafia os sentidos do espectador, ou antes ouvinte, desfazendo-se de qualquer distração visual para promover um espaço de reflexão.

Musica Humana está patente no Museu nacional de Arte Contemporânea do Chiado até 2 de fevereiro.

 

Myles Francis BrowneMuita da nossa experiência é ditada pelas nossas capacidades visuais; são muitos aqueles que confiam na conceção que a visão faz da realidade. O que a motivou a retirar este aspeto do trabalho?

Francisca Aires Mateus – Ao descartar o poder da visão, através do escurecimento do espaço da instalação, o som torna-se o elemento corpóreo que preenche e molda o espaço. Assim, é possível aceitar e focar o som, sentir o movimento da música que passa através das colunas e descobrir a sobreposição de diferentes peças e a sua criação de novas harmonias e cacofonias.

MFBA música é também enfática enquanto emoção humana – e a sua inspiração muitas vezes advém disso mesmo. O trabalho transmuta emoção em dados e, depois, dados em música. Quão suficientes são os dados intermediários para reconhecer e replicar as complexidades da experiência humana?

FAM – Esta obra parte da ideia da civilização grega clássica de que a música existia “numa relação íntima com quase todas as vertentes da atividade humana”, uma força capaz de influenciar o universo e “afetar a vontade e a conduta dos seres humanos”. Neste projeto, exploro o reverso desta ideia grega da influência que a música tem no comportamento humano: em vez de procurar a relação entre determinados tipos de música e o seu resultado comportamental, crio peças sonoras específicas com base nas caraterísticas emocionais e de personalidade de várias pessoas. Neste contexto, os dados atuam como tradutor do comportamento humano e das emoções para a música. Contudo, as peças sonoras não tentem replicar diretamente a experiência humana, mas transformam respostas específicas em caraterísticas musicais específicas, a partir das quais é produzida uma peça sonora que representa um determinado indivíduo.

MFBÉ interessante a sua opção por incorporar perguntas, frequentemente ouvidas em entrevistas de trabalho, no processo de formulação. Como não as imagino enquanto profundamente reveladoras da experiência humana, para que serviram estas perguntas?

FAM – Foram feitas para perceber se o entrevistado estava consciente das suas próprias ações, do seu valor e dos seus planos futuros. Por exemplo, a pergunta “Onde se imagina daqui a 5 anos” tentou perceber se os entrevistados tinham planos e aspirações concretas ou se estavam numa fase de transição ou apenas a perceber para onde a vida os levou. As respostas a esta pergunta específica determinariam a duração da peça: dependendo se a resposta era vaga ou assertiva, a peça durava 80 a 240 segundos ou 60 a 80 segundos.

MFBOs oradores pareceram transmitir vozes e composições individuais, e não uma faixa áudio coletiva, que tocava sucessivamente essas vozes e composições complementares. O que diz isto da experiência humana? Será que estamos todos profundamente isolados por força das nossas realidades individuais?

FAM – Cada peça sonora é a tradução de uma entrevista individual. Mas, na instalação, as peças interagem entre si, criando novas harmonias, colidindo ou suscitando momentos de pura cacofonia. Existem também momentos em que várias gravações de diferentes entrevistas tocam ao mesmo tempo, aparentemente falando entre si. Acredito que isto espelha a nossa experiência; na sociedade, tal como na instalação, a voz comum é a montagem de várias vozes individuais, não há uma única voz superior e também não há vozes individualizadas e cortadas.

Myles Francis é jornalista e escritor de arte. Nascido em Londres, vive agora em Lisboa. Já trabalhou para publicações como Nicotine, TANK e Vogue Portugal. Atualmente escreve para a Umbigo Magazine.

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