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Sonae Media Art 2019: Coletivo Berru

Sediado no Porto, o Coletivo Berru é constituído pelos artistas Bernardo Bordalo, Mariana Vilanova, Rui Nó e Sérgio Coutinho, cujos trabalhos debatem as questões da antropologia, da filosofia, da sociologia e da ética, com foco principal nas sempre presentes relações entre a humanidade e a tecnologia. O coletivo voltou o seu interesse para o potencial dos processos biológicos paralelamente à tecnologia. É esta a perspetiva evidenciada no seu trabalho Systems Synthesis, que estabelece uma relação simbiótica entre tecnologia e natureza, advogando um equilíbrio entre estes dois mundos e que lhe valeu o Prémio Sonae New Media Art 2019. A Umbigo entrevista agora o coletivo Berru sobre o seu trabalho e as complexas relações entre estes dois campos. O projeto está patente no Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado até 2 de fevereiro.

 

Myles Francis Browne – Como nos temos vindo a aperceber, os dados governam as esferas pública e privada. O mundo natural, apesar de ser impermeável à tecnologia, é um mundo que, segundo me apercebo, permanece relativamente afastado dessa intervenção levada a cabo pela esfera digital e dos dados. Que tipo de consequências podem ter essas interações?

Coletivo Berru – Os dados e a tecnologia digital não deveriam ser uma forma de governar a natureza, mas de compreendê-la melhor, através da criação e manutenção de uma relação sustentável. Estão a ser desenvolvidas novas tecnologias que se desviam da computação clássica, como o armazenamento de informações no ADN das plantas, ou a computação com proteínas. Estas tecnologias são interessantes, pois dão-nos novas perspetivas de pensamento com a natureza. Isto reflete essa necessária simbiose, que metaforicamente promove a evolução da tecnologia sem afetar o planeta.

MFB – O que motivou a decisão de utilizar ervas daninhas, que são naturalmente autossuficientes mesmo em condições desfavoráveis, em comparação com a flora, que pode beneficiar da especificidade da tecnologia apresentada?

CB – Pegámos num sistema biológico que já existia. De certa forma, fizemos o mesmo que Stafford Beer havia levado a cabo nos anos 60, quando estudava formas de chegar à biocomputação. Ele utilizava água de um peão, mas, como estávamos na cidade, recorremos ao que nos era mais familiar. Com isto, estamos também a criticar a gentrificação e o urbanismo em Portugal, uma vez que estes sistemas proliferam em locais abandonados, onde a especulação/de-especulação os mantém ou destrói.

Estes sistemas, plantas, aves, insetos produzem também o nosso imaginário visual daquilo que é a fauna e flora urbana selvagem, que não crescem em parques, crescem sim sem qualquer intenção humana.

MFB – O trabalho posiciona-se nesta relação desafiante: as plantas, apesar de predispostas para crescerem em condições ambientais difíceis, dependem aparentemente das condições tecnologicamente induzidas pelos drones. O que pretenderam evocar com esta relação complexa, e aparentemente contraditória, entre natureza e tecnologia?

CB – Antes de mais, queríamos fazer algo marcadamente lento, numa oposição à nossa temporalidade cada vez mais imediata. Por essa razão, trabalhámos com organismos vivos, que têm o seu próprio ritmo natural. Queríamos também descentralizar o ser humano da nossa sociedade. Tudo é tocado por nós e temos agora a nossa tecnologia a olhar-nos. Esta é uma proposta que mostra que podemos usar a nossa incrível tecnologia para outras coisas que estão para lá da exploração do comportamento humano. Queríamos construir um ambiente para coisas humanas indesejadas.

Também recorremos à ideia de replicar a própria natureza, para dar valor ao nosso ambiente natural.

Trabalhamos muito a natureza, utilizando-a como suporte, e esta foi a nossa primeira vez num museu. Por isso, sentimos que era necessário trazer a natureza connosco e tê-la como matéria de estudo.

MFB – Com a intenção de alcançar uma homeostase entre o natural e o artificial, esta é uma relação de simbiose ou de dependência? Será que isto aborda alguma relação para/com a tecnologia, além deste episódio?

CB – É um sistema composto por ambos. Poderiam existir enquanto entidades individuais. Este sistema biológico está em homeostase, é um sistema autorregulador. A tecnologia na nossa peça simplesmente replica a natureza (luz, água, vento) através de um algoritmo.

A dependência real que ambicionamos é propositada. O sistema natural é mantido pela replicação de caraterísticas que regem a vida das plantas e animais na forma de interfaces tecnológicas. Que, por sua vez, dependem da vida orgânica, no que diz respeito ao seu propósito e significado. Para nós, isto cria uma bonita forma de perceber a tecnologia.

MFB –  Como sugerido no ensaio da vossa peça, “é através de interfaces e montagens que o conhecimento pode exercer o controlo da natureza, mas é também através delas que temos acesso ao mundo natural, como sistema e como recurso”. Como concebem uma realidade onde os dados têm o mundo natural como recurso? Será que, desta forma, devemos transmutar o natural para o artificial?

CB – O segmento no nosso ensaio refere-se ao poder de aprender e compreender a natureza. Isto deverá ser usado para preservar, manter este mundo e escolher um caminho mais sustentável. Mas o poder é algo perigoso.

Através da nossa instalação, tentámos conceber uma nova forma de entender a nossa relação com a natureza. Sentimos este desejo de sair do nosso estúdio e estudar sistemas negligenciados, à espera de serem destruídos para a construção de um novo hotel. Este tipo de natureza esquecida, que cresce nesta espécie de limbo em terrenos urbanos abandonados, fala também deste novo tempo, o Antropoceno, onde a espécie humana substitui a natureza e a força mais predominante no mundo. Por esta altura, já todos desconectam o homem da natureza, o que consideramos interessante, pois somos também parte da natureza, mas o nosso crescente conhecimento desenvolveu formas artificiais e aumentadas de viver e interagir.

Myles Francis é jornalista e escritor de arte. Nascido em Londres, vive agora em Lisboa. Já trabalhou para publicações como Nicotine, TANK e Vogue Portugal. Atualmente escreve para a Umbigo Magazine.

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