O Fio Invisível: Arte Contemporânea Portugal – Macau | China
Mistério, complexidade e paradoxo, três palavras que me vieram à ideia durante a estimulante conversa que tive com Carolina Quintela sobre a exposição por ela comissariada na UCCLA, com o objectivo de celebrar os 40 anos de relações diplomáticas oficiais entre Portugal e a China e também os 20 anos da Região Administrativa Especial de Macau.
O título, Fio Invisível, diz respeito ao Fio Vermelho do Destino, um antigo mito popular chinês, segundo o qual os deuses atam, com fios vermelhos invisíveis, pessoas que estão destinadas a encontrar-se, independentemente do lugar, do tempo ou das circunstâncias. No contexto das relações históricas e diplomáticas entre dois países geograficamente e culturalmente distantes, a referência remete para uma ligação invisível preexistente entre ambos, de tal forma que o encontro histórico não poderia não ter ocorrido. Esta crença popular, presente em vários países do sul asiático, está de certa forma relacionada com o conceito teológico ocidental da predestinação. Também relacionado ao determinismo, a sua crítica filosófica sublinha as noções opostas de acaso, aleatoriedade e livre arbítrio.
Por trás desta imagem sedutora de elos invisíveis e de parceiros destinados, encontramos a vontade de expandir o diálogo através de expressões artísticas contemporâneas, ao reunir um grupo de artistas portugueses que de uma forma ou outra estão ligados à China e de artistas de origem macaense.
A colecção de obras expostas na UCCLA desafia os múltiplos paradoxos relacionados com as turbulências históricas e com o nosso recente ambiente globalizado, onde o mercado livre, com as suas mercadorias baratas e padronizadas, tem como inimigo a distância e as diferenças culturais por serem encaradas como barreiras ao comércio internacional e ao lucro das multinacionais. As várias imagens e instalações presentes na exposição – que são veículos de reflexão – levantam questões relacionadas com as memórias colectivas e individuais, com os movimentos simultâneos e contraditórios de negação, esquecimento e elogio de manifestações passadas, aliados à aceitação da impermanência e da perpétua transformação. Já outras obras destacam a tensão entre a opacidade política e a abertura dos mercados, ou os complexos fenómenos do sincretismo, da hibridização e da cópia na sua relação com a criatividade e a inovação. Evocações que remetem para o fosso entre classes, para os mal-entendidos culturais ou a desorientação, para a vontade de desconstruir insistentes preconceitos de ambos os lados…
Finas, subtis, engenhosas, as obras escolhidas, juntamente com as peças site-specific de Pedro Valdez Cardoso, abrem um espaço de reflexão de multicamadas que pode não ser particularmente óbvio à primeira vista. Para além do contexto institucional da celebração de encontros, intercâmbios e interacções diplomáticas, económicas, culturais e artísticas entre Portugal e a China, vale a pena dedicar algum tempo a mais a essas peças “codificadas” para que elas se abram e revelam progressivamente a sua complexidade e forte relevância.
Com os contributos de Ana + Betânia, Ana Pérez-Quiroga, António Júlio Duarte, Bai Ming, Chan Wai Fai, Fernão Cruz, José Drummond, José Maçãs de Carvalho, Liu Jianhua, Mio Pang Fei, Nuno Cera, Pedro Valdez Cardoso, Rui Rasquinho e Wong Ka Long.
Na UCCLA – Lisboa, até 20 de Janeiro.
A autora não escreve ao abrigo do AO90.