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Sol Cego, de Elisa Strinna

A Fidelidade Arte (antiga Chiado 8) manteve desde sempre um projeto de curadoria diverso, com especial enfoque em artistas menos conhecidos do grande público e com uma abordagem marcadamente conceptual. Assim era com a curadoria de Bruno Marchand, que programou artistas como Armanda Duarte, João Penalva e Ricardo Jacinto entre outros, e Delfim Sardo, o curador da Culturgest (que acumula a curadoria desta exposição no âmbito de uma colaboração entre as duas instituições), mantém a mesma abordagem recetiva e inclusiva de artistas, cujo trabalho desafia normas e pensamentos vigentes.

Em Sol Cego, Elisa Strinna (Pádua, 1982) mostra um conjunto de obras que assenta nos pressupostos onde assenta todo o seu trabalho: a relação entre o Ser Humano e a tecnologia digital que cria, entre o real e o virtual, o natural e o artificial, e na subsequente interação com a paisagem e a natureza.

No seguimento de uma residência artística na Holanda em 2018, na Academia Jan Van Eycke, Elisa desenvolve uma investigação sobre o percurso dos cabos de fibra que atravessam o fundo do oceano e que percorrem a Europa, para chegar ao Norte de África e daí para a Ásia e Oceânia. Estes cabos são utilizados para transportar a nossa informação digital ligando praticamente o mundo inteiro. Estes cabos finos de silicone são cobertos por látex e estão escondidos do nosso olhar, mas não da vida subaquática que os invade, tornando-os parte do meio envolvente, como fazem com todos os destroços, como se a vida marítima invadisse o invasor, apropriando-se destes materiais construídos e sintéticos e tornando-os parte do mundo natural.

Strinna replica assim, com as suas peças cerâmicas embutidas nas paredes ou no pavimento da galeria, uma espécie de arqueologia marítima, mas ao mesmo tempo remete-nos para um momento de criação primordial, das formas multicelulares primitivas, como as esponjas do mar, e na forma como bebem de uma água original e se desenvolvem a partir da simbiose com o meio envolvente. Mas estas esculturas em cerâmica têm tanto de matéria orgânica como de artificial, com os seus cabos que saem da parede e se esticam para nós, quais dedos artríticos. Estas peças em cerâmica têm tanto de delicado e orgânico como de artificial e bruto. E se a cerâmica lhes proporciona um acabamento que remete para um achado arqueológico, alguns pormenores lembram um processo de putrefação, característico dos seres vivos.

Para além do seu trabalho em cerâmica, Strinna produz ainda esculturas musicais e compõe paisagens sonoras que acompanham as suas esculturas, como acontece em Blind Sun (2019), uma instalação sonora criada em específico para a Fidelidade Arte fruto de uma colaboração com o músico Roberto Francesco Dani e a soprano Beatriz Ventura. Esta composição cria inquietação e contribui para essa sensação de um local primordial de criação que nos é transmitida pelas restantes esculturas. Tem tanto de melódico e épico nos seus coros vocais como, a espaços, insere sons eletrónicos que nos transportam para o fundo do mar ou para os limites da galáxia, numa sonoridade perturbadora que amplia a inquietação que é criada pelas peças expostas.

Se nas várias obras apresentadas, Strinna explora a circulação através dos cabos e a sua relação com o meio envolvente, no vídeo Unproductive Glory (2019) a artista destrói essa circulação através da destruição ruidosa e espalhafatosa dos cabos de comunicação elétrica existentes numa fábrica (através da construção de réplicas desses cabos). Se nas suas esculturas de cerâmica Strinna nos transporta para um local primitivo, de criação do mundo, em Unproductive Glory é o erro que nos mostra. A ausência de comunicação ou a perda dela.

Esta é a primeira exposição de Elisa Strinna em Portugal e está inserida numa série de exposições (três por ano) que constituem o projeto Reação em Cadeia, em que os artistas em colaboração com o curador escolhem o artista seguinte. Elisa Strinna foi proposta por Jimmie Durham que foi proposto por Ângela Ferreira, que originou este ciclo anual e foi convidada por Delfim Sardo. A exposição segue para a Culturgest do Porto. No final de cada ano será publicado um livro que incidirá sobre as três exposições desse ano.

Com uma carreira em produção de cinema com mais de 10 anos, Bárbara Valentina tem trabalhado como produtora executiva, produzindo e desenvolvendo vários documentários e filmes de ficção para diversas produtoras entre as quais David & Golias, Terratreme e Leopardo Filmes. Atualmente ocupa o cargo de coordenação de pós-produção na Walla Collective e colabora como diretora de produção e responsável pelo desenvolvimento de projectos na David & Golias, entre outros. É igualmente professora na ETIC, no curso de Cinema e Televisão do HND – Higher National Diploma. Começou a escrever artigos para diferentes revistas em 2002. Escreveu para a revista Media XXI e em 2003 começou a sua colaboração com a revista Umbigo. Além desta, escreveu também para a Time Out Lisboa e é crítica de arte na ArteCapital. Em 2010 terminou a pós-graduação em História da Arte.

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