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São Bento abre as portas à Arte

Decorre até ao final do ano, na residência oficial do Primeiro Ministro, a 3ª edição do projeto de Arte em São Bento. Desta vez, coube a apresentação de obras artísticas pertencentes à Coleção Norlinda e José Lima (empresário do setor do calçado), nos espaços do Palácio de São Bento. Trata-se de uma das maiores e mais completas coleções privadas de arte no país, sediada em São João da Madeira e resulta de uma paixão de José Lima que, no início da década de 80, decidiu acrescentá-la ao seu dia-a-dia profissional, admitindo que compra por impulso, e que, a título pessoal, a arte é sobretudo emoção e um estado de alma. Industrial de profissão, Lima não encontra palavras para contar o fascínio que a arte exerce sobre si, nem mesmo sabe explicar o instante em que tudo começou. Como fez notar com algumas palavras sobre o colecionismo, por ocasião da inauguração desta exposição: “O gosto artístico abunda, mas os valores materiais nem tanto, e às vezes não é possível ter o quadro que falta. O colecionador nunca tem a coleção que quer, tem a que pode”. A partir de um número elevado de peças adquiridas tornou-se necessário dar a conhecê-la e foi o que fez, partilhando-a generosamente com a comunidade. Como assinala Kathleen Gomes (assessora cultural do Primeiro Ministro António Costa), esta coleção assume um papel interventivo e educativo na sociedade. Surge assim o Centro de Arte Oliva, que detém o seu acervo e que realiza regularmente exposições temporárias, tendo a primeira ocorrido em 2013, sob o título de Traço Descontínuo.

Um colecionador nunca tem a coleção que quer, tem a que pode (J. Lima)

Quanto à exposição, Isabel Carlos (curadora do evento) fez uma seleção assertiva de um conjunto de obras, obedecendo a vários critérios. São eles, o equilíbrio entre autores, numa mostra paritária entre a representação feminina e masculina, que é aliás uma das notas dominantes, e que tem orientado a sua atividade como curadora; a opção por nomes de artistas vivos, prevalecendo a criação contemporânea (em que o mais velho é Cruzeiro Seixas), e, por último, a escolha de autores nacionais por forma a valorizar a expressão da cultura portuguesa. As obras foram concebidas em suportes e materiais diferentes, oscilando entre a mais antiga de 1965, de Lourdes Castro, e, a mais recente, de 2018, de Ana Jotta. A primeira possui sinais caraterísticos do seu estilo e, a segunda com elementos de forte depuração formal. No percurso expositivo, vamos descobrindo pouco a pouco, os trabalhos que se debruçam sobre a temática do retrato e da paisagem, dois géneros clássicos da arte figurativa.

Na orientação da montagem, Isabel Carlos desenvolveu um discurso pessoal, criando em alguns momentos, resultados surpreendentes. Como por exemplo, na fotografia sob a forma de tríptico de uma paisagem de Daniel Malhão, como se esta imagem se prolongasse para o exterior da sala. A obra de maior valor é seguramente a de Paula Rego, A Árvore de Dubuffet, composição de natureza híbrida, que se encontra numa transição, entre o retrato e a paisagem. Isabel Carlos colocou-a fisicamente num espaço de passagem, no hall de entrada, junto à escadaria que dá acesso aos andares superiores do palacete, jogando metaforicamente, com a indefinição do género que a própria obra representa. De grandes dimensões, surge a fotografia de João Louro, Highway, que mostra painéis indicadores de nomes de cidades, figurados em auto-estradas, os quais deram lugar a nomes de filósofos, numa atitude concetual, que é recorrente no seu trabalho. Uma das obras que detém maior visibilidade é a pintura, de um traço inconfundível, de Eduardo Batarda, que se encontra na sala de audiências. Nos espaços mais reservados do palácio, a curadora decidiu distribuir um conjunto de peças de mulheres artistas: Graça Morais, Marta Wengorovius e Ana Luísa Ribeiro. Nesta tarefa foi revelador saber que a curadora dispôs de liberdade para planear e conduzir este núcleo expositivo, num ajustamento adequado à funcionalidade de cada lugar.

Finalmente pode-se concluir que a abertura dos espaços da residência oficial do Primeiro Ministro constitui uma forma de promover a aproximação dos cidadãos à fruição da arte. Marque na sua agenda durante este mês a visita à exposição, que está aberta ao público aos domingos, das 10h às 17h até 29 de dezembro, com entrada gratuita. É uma oportunidade a não perder, dado que é a primeira vez, que as obras desta coleção estão presentes em Lisboa.

Manuela Synek é colaboradora da revista Umbigo há mais de dez anos. À medida que os anos vão passando, identifica-se cada vez mais com este projeto consistente, em constante mudança, inovador, arrojado e coerente na sua linha editorial. É Historiadora e Crítica de Arte. Diplomada pelo Instituto Superior de Carreiras Artísticas de Paris em Crítica de Arte e Estética. Licenciada em Estética pela Universidade de Paris I - Panthéon – Sorbonne. Possui o "Curso de Pós-Graduação em História da Arte, vertente Arte Contemporânea", pela Universidade Nova de Lisboa. É autora de livros sobre autores na área das Artes Plásticas. Tem participado em Colóquios como Conferencista ligados ao Património Artístico; Pintura; Escultura e Desenho em Universidades; Escolas Superiores e Autarquias. Ultimamente especializou-se na temática da Arte Pública e Espaço Urbano, com a análise dos trabalhos artísticos onde tem feito Comunicações. Escreve para a revista Umbigo sobre a obra de artistas na área das artes visuais que figuram no campo expositivo fazendo também a divulgação de valores emergentes portugueses com novos suportes desde a instalação, à fotografia e ao vídeo, onde o corpo surge nas suas variadas vertentes, levantando questões pertinentes.

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