Tobias Rehberger, And the Rest should be squandered, Galeria Pedro Cera
As questões relacionadas com a definição, limites e funcionalidade da arte sempre estiveram presentes nas obras escultóricas produzidas por Tobias Rehberger e pelos assistentes e colaboradores do seu atelier em Frankfurt-am-Main.
Para esta terceira exposição das obras do artista alemão, a Galeria Pedro Cera revela ao público lisboeta várias peças coloridas e apelativas que tendem a suscitar questionamentos semelhantes. Todos nos lembramos da sua reputada série de vasos artesanais com um tipo de flor, feita nos anos 90, onde cada vaso foi concebido como um retrato singular de um colega artista. Estes trabalhos foram concluídos através do ato colaborativo dos artistas selecionados, que colocaram nos seus respetivos vasos flores por si escolhidas, permitindo que as flores e o gesto se tornassem parte integrante de cada peça. Numa junção entre materialidade e abordagem conceptual, artesanato e processo mecânico de reprodução, objetos definidos formalmente e componentes orgânicos naturais, em Rehberger, tal como em Rodin, Marcel Duchamp e Ellsworth Kelly, surge a questão de saber quando e por que razão um objeto se transforma em arte ou não.
No cruzamento entre escultura abstrata moderna, design e pintura dos estilos Hard Edge e Colour Field, esta coleção de peças de chão, apresentadas como vasos vazios ou “mães sem filhos”, podem ser descritas como instalações modulares estandardizadas em forma de ovos com superfícies perfeitamente lisas e aplicação de tinta impessoal e invariável. Segundo a fórmula uma unidade ovo, um campo de cor, cada escultura apresenta uma composição única de unidades e de interações cromáticas. Estes objetos utilitários quotidianos (os vasos) são aqui transformados em peças de arte de escala humana, em formas evocativas e vazias, cujo objetivo é desafiar o cliché tradicional, mas ainda vivo, da não-funcionalidade das obras artísticas.
Mas se, no espírito Bauhaus, a série de vasos dos anos 90 promoveu e concretizou a ideia da funcionalidade ao incluir as flores nas obras, os atuais objetos, sendo desprovidos de qualquer conteúdo, não realizam a sua potencial funcionalidade e assim são ditas incompletas. Por outro lado, os títulos humorísticos e provocadores sobre as viris, desonestas, gananciosas, dubitáveis, traiçoeiras e chiques “mães sem filhos”, juntamente com as formas de ovo que se multiplicam como rizomas, construindo as esculturas em altura, evocam em primeira instância a redução tradicional, mas ainda viva, das mulheres à capacidade reprodutiva do seu corpo. Quer seja numa crítica irónica ou numa simples assunção, a inconveniente associação metafórica dos vasos incompletos às “mães sem filhos”, trazendo a vaga ideia de mulheres incumpridas, é criada através destes títulos de juízo de valor.
Mas para além deste infeliz sentido literal, do qual é difícil escapar depois de o termos apercebido, podemos pensar na arte como estando em permanente germinação, ao dar incessantemente à luz e ao gerar outras formas de arte. A apropriação, assimilação, adaptação e transposição do design clássico e dos estilos, formas, padrões e motivos visuais modernistas, ao serem fulcrais na produção criativa de Rehberger, fazem com que sejamos orientados para a questão do nascimento e dos ciclos de vida dentro do fluxo da arte ou da história das artes. Será que, de modo a ser fértil e a (re)produzir, a arte precisa de alguma forma de ser mais feminina, generosa, incorrupta, genuína e pensativa, ou então simplesmente vazia?
Tobias Rehberger, And the Rest should be squandered, na Galeria Pedro Cera – até 4 de janeiro de 2020.