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Para ver e ser visto: The Dancing Followers de Luís Lázaro Matos

O caráter sobre-exposto do novo espaço Combo, em Milão, serviu de mote para a instalação imersiva The Dancing Followers de Luís Lázaro Matos. Um espaço pequeno, totalmente envidraçado, aberto para um pátio amplo e para um jardim público. Uma espécie de aquário, ideal para ver e ser visto.

Três figuras humanas desenhadas sobre poliéster transparente povoam a pequena galeria, suspensas por linhas de pesca e presas por anzóis. Balançam levemente quando passamos, exibindo os seus tons e reflexos – sempre em pose. Circulamos entre elas, estudando os seus gestos suspensos, os seus traços sinuosos, o seu brilho ondulante. A exuberância alegre e despreocupada que ostentam é fascinante. Tiramos uma fotografia, mordemos o isco. Das paredes de vidro, cardumes de olhos coloridos observam o interior deste aquário, projetando nele (e em nós) as suas sombras distorcidas.

Luís Lázaro Matos atrai-nos com facilidade e perícia para o interior dos seus desenhos-instalação, com cores alegres e contornos simpáticos. Mas, invariavelmente, descobrimos que na sua aparente leveza se enredam desdobramentos múltiplos de uma sensibilidade política incisiva e de um humor mordaz. Aqui no aquário, flutuam também três frases vagamente familiares, escritas sobre o mesmo material transparente: “When they go low, we go high”; “Brazil, I’m devasted”; “What is a golden shower?”. Para quem não as reconhece, dizem-nos que se tratam de tweets virais postados por Michelle Obama, Lady Gaga e Jair Bolsonaro, respetivamente. Como é habitual, o desenho de Lázaro Matos é acompanhado por passagens textuais que revelam algumas pistas sobre os estratos mais profundos de cada trabalho.

Interessado na significação de transparência na arquitetura moderna e na sociedade contemporânea, o artista associa a natureza deste espaço físico à essência do espaço digital que incessantemente navegamos. O ambiente absorvente do aquário, habitado por estas figuras de postura maleável e sedutora, é equiparado ao universo ficcional e performático das redes sociais, onde voluntariamente nos expomos a um cardume de olhos que seguem e escortinam cada pose, cada frase, cada expressão que decidimos projetar – ou partilhar. As fronteiras entre público e privado são intencionalmente quebradas em nome de uma aparente transparência, de uma intimidade forçada com um grupo informe de seguidores, de uma necessidade de contacto e de controlo da narrativa.

Mas falamos também da transparência na arquitetura, neste caso, de um espaço expositivo. No seu célebre ensaio The Exhibitionary Complex (1988), Tony Bennett defende que a instituição expositiva agrega em si os mecanismos de controlo de uma sociedade de vigilância e de uma sociedade de espetáculo, operacionalizados na simples equação: ver e ser visto. Não é por acaso que Bennett refere como exemplo primordial o Palácio de Cristal de Joseph Paxton, pavilhão monumental de ferro e vidro desenhado para a Grande Exposição de Londres de 1851, e amplamente consagrado como o primeiro edifício moderno. No Palácio de Cristal, tudo estava em exibição: os objetos expositivos, o próprio edifício e os seus visitantes. The Dancing Followers somos, afinal, todos nós, em constante e mútua exibição, dentro e fora do aquário.

A instalação The Dancing Followers, apresentada pela Galeria Madragoa, está patente no espaço Combo em Milão até 31 de dezembro.

Joana Valsassina é curadora, escritora e produtora cultural. Atualmente trabalha como curadora independente e co-curadora do espaço The Art Gate em Lisboa, tendo trabalhado anteriormente no MoMA e no Drawing Center, em Nova Iorque, e no MAAT, em Lisboa. É formada em museologia pela New York University e em arquitectura pela Universidade de Lisboa. Para além de desenvolver a sua prática curatorial, escreve regularmente para a revista Umbigo e é produtora das iniciativas Bairro das Artes e Mapa das Artes.

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