Nous les Arbres, Fondation Cartier pour l’art contemporain.
Num contundente apelo a favor das árvores e da conservação da vida selvagem, a Fondation Cartier pour l’art contemporain, em Paris, reúne uma grande comunidade de artistas, botânicos, filósofos e cientistas numa ambiciosa exposição intitulada Nous les Arbres ou Trees em inglês. Com o objetivo de promover a sensibilização, o cuidado e a proteção, em detrimento de comportamentos destrutivos, a exposição difunde também alguns dos mais recentes e importantes conhecimentos sobre o sofisticado mundo vivo das árvores.
Em relação à sua exposição pioneira Yanomami, Spirit of the Forest, de 2003, que colocou artistas internacionais em contato com os xamãs de Watoriki (Montanha do Vento), uma aldeia Yanomami na Amazónia brasileira, o conceito e perceção daquilo que é a alteridade radical estão aqui novamente em jogo. Através da colaboração ativa do antropólogo Bruce Albert, com quem, desde o projeto Yanomami, a Fundação efectua investigações sobre estes temas, os curadores Hervé Chandès e Isabelle Gaudefroy estabeleceram uma rede de correspondências entre diferentes perspetivas sobre as árvores, sejam estas intelectuais, científicas, históricas, emocionais ou estéticas.
Numa ação de contribuição para a comunidade, este projeto curatorial responde a uma situação bastante crítica: as florestas mais antigas e maiores do mundo estão em chamas. A voracidade desta tragédia diz respeito a vários países de todos os continentes. Há já muitos meses que são registados incêndios de grandes proporções, da Colúmbia Britânica à Austrália, da Califórnia à Indonésia, do Brasil à Sibéria, do Gabão a Angola e Madagáscar.
Maioritariamente intencionais, estas devastações agressivas têm como objetivo substituir santuários que são lucrativos a longo prazo por terras privadas capazes de gerar enormes lucros imediatos no agronegócio, desmatando florestas com o intento de abrir espaço para atividades de mineração, pecuária, culturas OGM de trigo, de milho e de soja para alimentar gado.
Associadas a falhas governamentais e políticas desastrosas de exploração excessiva, apoiada por várias empresas e instituições financeiras, este desmatamento massivo e irreversível é um dos principais móbiles da quebra significativa da biodiversidade, que tem tido impactos negativos nos ecossistemas, ciclos da água, habitats, sociedades tradicionais e várias espécies selvagens da flora e fauna.
Além desses ecocídios que permanecem impunes, em vários países europeus estão a ser abatidas selvaticamente (e quase em segredo) árvores saudáveis que são património público, sem que para isso seja dada qualquer justificação aceitável. Em relação a Portugal, esta gestão obscura foi oficialmente denunciada pelo partido político PAN e pela Associação Quercus, entre outros.
Tal como o botânico francês Francis Hallé relata num vídeo apresentado no primeiro piso da exposição, temos imposto, desde Platão e Aristóteles, uma conceção degradante e desvalorizadora em relação a plantas e árvores, acreditando que estas seriam formas de vida inferiores, desprovidas de inteligência e sensibilidade. Esta ideia, bastante inculcada nas culturas ocidentais, especialmente em países como Espanha, Portugal e Grécia, tem motivado repetidos massacres, cortes, abates e mutilações contra as árvores. Apesar de a situação estar a piorar dramaticamente, Francis Hallé acredita que este paradigma impiedosamente ignorante está a chegar ao fim. Devido à investigação científica focada nas realidades subtis das árvores, nos seus sistemas de comunicação e na sua sensibilidade, conseguimos percepcionar atualmente o seu nível de complexidade, cuja sensibilidade foi recentemente qualificada como igual à dos mamíferos, e talvez mais ainda. Afinal, as plantas e árvores têm valências surpreendentes, bastante superiores às nossas. Com um conhecimento aprofundado, Hallé recorda que “as árvores estão na Terra há já 380 milhões de anos. São os maiores e mais antigos seres vivos no planeta e são essenciais para a biologia global”.
Tendo em conta a contribuição da mais recente investigação científica, incluindo a neurobiologia vegetal, que defende o conceito de inteligência, reatividade e memória das plantas, os artistas participantes trabalharam em conjunto para dar uma “voz” às árvores, tornando o invisível naquilo que é visível.
Moldado por essas férteis abordagens e pontos de vista, o conjunto cria uma atmosfera apelativa, onde a racionalidade e a poesia visual se unem. À semelhança do que acontece em várias experiências de alteridade radical, o fenómeno da hibridação atua também nas relações entre humanos e árvores. Como indica o filósofo Emanuele Coccia: “Não há nada de puramente humano, o vegetal existe em tudo o que é humano, e a árvore está na origem de todas as experiências”.
Ao estabelecer a ponte entre a sensibilidade artística e o conhecimento científico no que diz respeito ao mundo das árvores, é possível indagar até que ponto a junção de curadoria, ciência e arte pode contribuir para decisões políticas e alterações paradigmáticas.
A exposição tem contribuições de Efacio Álvarez, Herman Álvarez, Fernando Allen, Fredi Casco, Claudia Andujar, Eurides Asque Gómez, Thijs Biersteker, Jake Bryant, José Cabral, Johanna Calle, Jorge Carema, Alex Cerveny, Raymond Depardon, Claudine Nougaret, Diller Scofidio + Renfro, Mark Hansen, Laura Kurgan, Ben Rubin, Robert Gerard Pietrusko , Ehuana Yaira, Paz Encina, Charles Gaines, Francis Hallé, Fabrice Hyber, Joseca, Clemente Juliuz, Kalepi, Salim Karami, Mahmoud Khan, Angélica Klassen, Esteban Klassen, George Leary Love, Cesare Leonardi, Franca Stagi, Stefano Mancuso, Sebastián Mejía, Ógwa, Marcos Ortiz, Tony Oursler, Giuseppe Penone, Santídio Pereira, Nilson Pimenta, Osvaldo Pitoe, Miguel Rio Branco, Afonso Tostes, Agnès Varda, Adriana Varejão, Cássio Vasconcellos, Luiz Zerbini.
Nous les Arbres, na Fondation Cartier pour l’art contemporain, Paris – até dia 5 de Janeiro 2020.