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Dupla Exposição – Fernando Guerra, o homem e a obra

Viajar pelos 20 anos de carreira do arquiteto-fotógrafo Fernando Guerra é conhecer e revisitar imagens, perceber novas abordagens no ato de fotografar arquitetura, envolver-nos em narrativas que os corpos criam nos espaços estudados, descobrir peculiaridades que o seu olhar acutilante nos traz. É também entender um caminho repleto de momentos de solidão, de objetos que contam histórias de quem vai conseguindo falar connosco nos aeroportos onde para, é conhecer o homem que cria esta obra e nos transporta através dela. É neste duplo desvendar que a curadora Andreia Garcia nos quer dar a conhecer, nesta exposição, um percurso cheio de assertividades, mas também repleto de subtilezas.

Numa leitura como se desvendássemos um notável arquivo através de várias camadas de informação, a história de Fernando Guerra e das suas fotografias é-nos apresentada em quatro momentos, através de flight cases desenhadas por Diogo Aguiar Studio. Que melhor objeto poderia guardar e revelar tal história que não aquele que assegura a sua portabilidade? E iniciamos também assim uma viagem.

No primeiro momento Antecâmara da história seguinte descobrimos o Fernando Guerra arquiteto, rumo a Macau e o Fernando que começa a criar um impressionante arquivo digital de imagens de arquitetura portuguesa e a abrir portas a um percurso internacional. As suas primeiras máquinas, ainda analógicas; as referências da infância com o seu irmão Sérgio, companheiro em terra desta grande viagem; a sua paixão por carros; os primeiros nomes a acreditarem no seu olhar. Ainda não existia no mundo a ideia da imagem viral para além das capas das revistas de referência, mas o seu registo já se destacava em obras como a dos Aires Mateus ou de Ricardo Bak Gordon.

Efabulações acontecem no segundo momento já em plena projeção internacional, a forma como capta o mundo, mas também como o mundo o vai marcando, mudando; objetos de viagens; despertar de sonhos; o fascínio pelo tropical. Numa altura em que a arquitetura em Portugal passou por um momento de crise, a forma como esta tinha sido divulgada além fronteiras a partir das suas imagens, trouxe-lhe muitos convites dos vários cantos do mundo; imagens em destaque em muitas publicações; uma ambição que se poderá traduzir em símbolos por desvendar, como numas luvas de astronauta aqui mostradas.

Na terceira mala de viagem chega-nos o Lugar comum desvendando um pouco do que consolida os seus diálogos com Álvaro Siza, um percurso de constante descoberta da obra do mestre, a lealdade da lente que narra uma história de amizade e cumplicidade também em viagem. É a caixa de que Fernando Guerra diz não ser preciso falar, esta contém em si todas as palavras que devem ser ditas.

Tempo depois é o último momento da exposição e conta-nos histórias de gestos, de ações que marcam determinado tempo em determinado espaço, a fugacidade do momento na eternização da imagem. As pessoas a ganharem cada vez mais protagonismo, já não dando somente a escala, mas a alma da imagem. Um olhar de intimidade e de ousadia na sua timidez. O que procura pelo mundo para além da sua própria origem?

Fernando Guerra que não gosta de aparecer, chega agora até nós de uma forma como até então não tinha chegado em nenhuma outra sua exposição. A incapacidade de não saber desligar traz-lhe a certeza de um modo de vida. 20 anos a fotografar arquitetura não podem ser só traduzidos nas próprias fotografias. Aqui confunde-se a viagem de trabalho com a inocência do rapaz que quer ganhar mundo, a paixão por uma nova luz num angulo desconhecido e a paixão pelo olhar de quem está a ser fotografado; o homem que segura na câmara e a usa pela sua funcionalidade e o homem que tem fascínio pelo design.

A possibilidade que a sua plataforma Ultimas Reportagens abre para se conhecer a arquitetura contemporânea leva-nos a exaustivas narrativas sobre centenas e centenas de obras, num arquivo que merece a pena estudar e que passou a ser um espaço de divulgação por excelência. Dupla exposição abre a possibilidade de entender o que move quem cria tamanho arquivo, as horas, os tempos e os não lugares de quem vive em transito, mas escolhe a hora certa, com a luz certa, entre um prazer contido e um profissionalismo obsessivo percebendo exatamente a história que tem para contar.

Nesta exposição conta o valor das imagens, mas também o valor das relações que estão na base de cada imagem. Nem sempre as imagens revelam o quão especial foi uma sessão, nem sempre a vida de viajante é glamorosa, nem sempre merece a pena conhecer o homem por detrás da lente, aqui merece e a história é-nos bem contada, num equilíbrio saboroso entre aquilo que deve ser revelado e o aguçar da curiosidade pelo que não é para desvendar.

A exposição pode ser visitada na Roca Lisboa Gallery, até ao dia 18 de Janeiro.

Fabrícia Valente é formada em Arquitetura pela Universidade de Évora (pré-Bolonha) e tem formação em áreas complementares como o vídeo, a fotografia e a produção de exposições temporárias. Desenvolve a sua atividade entre a Curadoria (ex: Pavilhão KAIROS), a Crítica (é editora da secção online de Arquitetura da Umbigo Magazine e faz parte da redação do J-A) e a Mediação Cultural (Museu Coleção Berardo e MAAT), já tendo trabalhado em mais de 90 exposições. Colabora com diversas entidades na procura da multidisciplinariedade entre a Arquitetura, as Artes Plásticas e a Música, áreas onde está a desenvolver trabalhos de investigação.

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