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Os mercados de arte e o Sul Global – Miragem ou ponto de viragem?

Entre os dias 21 e 23 de novembro decorreu no MNAA (Museu Nacional de Arte Antiga) a conferência internacional The Art Market and the Global South coorganizada pelo consórcio Instituto de História da Arte, Universidade Nova de Lisboa; TIAMSA – The International Art Market Studies Association e Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Nesta conferência foram debatidas temáticas essenciais do panorama internacional dos mercados de arte do Sul Global (Global South). Que Sul Global é este? O termo, apesar de teoricamente referenciar as economias emergentes do hemisfério sul, tais como Índia, sudeste asiático, América do Sul, África e até mesmo os países do sul da Europa, na prática cria divergência de opinião entre investigadores. O orador principal Olav Velthius defende um ressurgimento do Sul Global, enquanto outros investigadores como Alan Quemin traçam um panorama pouco homogéneo para um Sul que se quer mais global.

O orador principal Olav Velthius, reputado investigador em sociologia das artes, cultural e económica, argumenta que há não um surgimento do Sul Global, mas sim uma realidade de ressurgimento destes mercados de arte. Este processo ocorre através de um processo bottom-up (de baixo para cima) multifacetado e complexo organizado em quatro fases: 1) “Protomarketização”; 2) Legitimação; 3) Criação de Infraestruturas; e 4) Comercialização. A fase 1 é caótica e espontânea, ocorrendo as primeiras vendas a compradores estrangeiros que visitam economias emergentes ou trocas com outros artistas ou grupos de artistas. A fase 2 é a validação e aceitação pelos mercados de arte contemporânea feita por momentos de legitimação por curadores dos EUA e Europa, bem como outros grupos de artistas, entre outros intervenientes. A terceira fase é centrada na criação de espaço de apoio à arte e aos intervenientes destes mercados com feiras de arte, bienais e criação crescente de museus privados. A fase final é da comercialização que depende da escolha das obras de arte por galerias de arte, curadores, assim como por museus para as suas coleções ou para exposições dando legitimidade e fomentando a compra por colecionadores multimilionários.

Por sua vez, Alan Quemin identifica um panorama heterogéneo deste Sul Global. Existe então um Sul Global? Segundo este investigador dificilmente, pois o Sul possui uma extrema diversidade para a integração de mercados de arte contemporânea que são pouco homogéneos. As realidades da Oceânia, bem como Brasil e Argentina são quase incomparáveis com a realidade de África, apesar de todos pertencerem ao Sul Global. Não será ingenuamente que Quemin questiona: O que é o Sul Global? A periferia defende o investigador. Paradoxalmente Alan Quemin questiona se existe mesmo globalização nos mercados de arte? Todos assumem que sim, menciona o investigador, mas os seus estudos revelam que não, com uma hegemonia nos rankings com um terço de artistas dos EUA e um terço de artistas da Alemanha. Mais do que globalização existe uma internacionalização. Na visão de Quemin não existe um Sul Global, mas sim uma diversidade de várias regiões do Sul, tais como América do Sul, mar mediterrâneo, África, que são únicas e heterogéneas.

Não obstante a relevância dos colecionadores multimilionários (relação positiva entre número de multimilionários e os valores dos mercados de arte por país) estes são quem afetam o processo final do ressurgimento do Global South, mas não são quem o gera. Para além dos suspeitos do costume, desde artistas ao mercado primário (galerias de arte) ao mercado secundário (leiloeiras), outros interveniente como colecionadores, curadores, e diretores de museus tem papéis influentes.

Para Portugal o panorama é otimista. No caso português poderemos beneficiar do turismo e do investimento imobiliário para atrair potenciais colecionadores (temporários ou residentes em Portugal) para investir nos nossos mercados de arte e artistas, no entanto urge a criação de uma rede ou grupo de colecionadores de arte contemporânea. Para quando definir uma estratégia de longo prazo para a cultura, à semelhança do turismo? A legitimidade de uma instituição para a Cultura de Portugal será igualmente importante como o já existente Turismo de Portugal? O lobby da cultura, no seu real sentido neutro, de grupo de influência que defenda os interesses culturais nacionais depende de receita simples: massa crítica e de união dos intervenientes dos mercados de arte, bem como vontade política de execução.

Esta conferência de grande relevo e atualidade levanta questões de interesse internacional e nacional que permanecem em aberto:

1) Como definir Sul Global de forma coerente?

O conceito de Sul Global para os mercados de arte é controverso e necessita de consolidação do termo. Parecem existir vários conceitos de Global South. Sabemos que excluímos o Global North (EUA e Europa Central e do Norte) mas há regiões e países por categorizar, como por exemplo o sul da Europa, e países como Portugal e Itália são elegíveis?

2) Para quando o mapeamento e quantificação da cadeia de valor dos mercados de arte em Portugal? Como ter valores de transações transparentes, em especial para vendas privadas?

Os relatórios internacionais apresentam dados que poderão representar apenas metade da fotografia dos mercados de arte, pois como sabemos as vendas privadas dificilmente são consideradas nos valores de mercado. Por outro lado, intervenientes do mercado como as galerias de arte podem ser excluídas de rankings caso não tenha possibilidade de pagar comissões. Para Portugal falta ainda a criação de um estudo que quantifique o valor dos mercados de arte. Isto para fomentar uma partilha equitativa de receitas entre Turismo e Cultura, deixando a Cultura de ser o parente pobre e o Turismo o parente rico. Fomentando a transparência é dado o real valor à Cultura.

3) Como podemos lidar com a assimetria de informação entre os diferentes intervenientes do mercado?

Esta é não só uma questão de teoria económica, mas também de relevância prática na relação entre galerias de arte e artistas, e dos compradores ou colecionadores com galerias e com leilões. Os detentores de mais informação sobre uma obra de arte ou melhor conhecimento dos mercados de arte podem superar o mercado a semelhança dos gestores de fundos de investimento que tentam obter melhores rendibilidade que o mercado acionista (a luz da teoria económica convencional, um mercado é sempre eficiente e limita as hipóteses de especulação por parte de investidores).

4) Como responder a questões de ética e de justiça na relação artistas e galerias de arte?

Serão as galerias os predadores ou presas: exigindo comissões que podem chegar aos 50% pelo valor de venda do trabalho de artistas? Ou serão os artistas que alcançam o estrelato e depois abandonam as pequenas e médias galerias que os apoiaram em busca de catapultarem as suas carreiras artísticas?

 

Estas são algumas das questões que permanecem numa economia da cultura, que é relembrada às vezes, valorizada às vezes, e falada às vezes, mas que necessita de ser recentrada como epicentro da identidade cultural de um país. Talvez aí a Cultura passe a um ponto de viragem para o nosso Portugal.

Ricardo Emanuel Correia concluiu a sua pós-graduação em Mercados de Arte e Colecionismo da Universidade Nova em 2019. Ele é doutorado em Economia e possui um mestrado em Finanças pelo ISCTE-IUL, tendo recebido uma bolsa de mérito por melhor aluno desse programa no ano letivo de 2008/2009 e uma bolsa de doutoramento da FCT com o projeto "Economia Comportamental de Recursos Hídricos". Anteriormente, passou quase três anos a trabalhar na KPMG Corporate Finance Portugal, no departamento de Fusões e Aquisições (M&A). Os seus principais interesses de investigação são mercados de arte, sustentabilidade, economia comportamental e economia experimental. Os interesses pessoais são fotografar, escrever, dançar, viajar e ler.

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