Anima Vectorias, de Angela Bulloch
O novo ciclo de exposições no MAAT, que foi inaugurado com pompa e circunstância no dia 3 de outubro para coincidir com os três anos da sua atividade, é encabeçado pela instalação Anima Vectorias, de Angela Bulloch, concebida exclusivamente para ocupar a icónica Galeria Oval.
Angela Bulloch nasceu em Rainy River, Canada, em 1966, mas surgiu como figura central dos YBA’s – Young British Artists – depois de se licenciar no Goldsmiths College, em Londres, ao lado de nomes sonantes como Damien Hirst, Tracey Emin, Sarah Lucas, entre outros. Muitos destes artistas – verdadeiras art stars – ocupam um espaço mediático envolto em acusações de “táticas de choque” embora, passados já trinta anos, já façam parte do mainstream, com retrospetivas nalguns dos museus mais conceituados do mundo.
Contudo, Bulloch sempre mostrou ser uma figura mais discreta, algo afastada das manchetes mediáticas, com a sua obra depurada e conceptualmente rigorosa, na qual explora questões metafísicas sobre as estruturas e os padrões que determinam os nossos comportamentos, através de formas geométricas, escultura, pintura, vídeo, som e instalação. Já em 1997 foi consagrada com a nomeação para o Turner Prize (que acabaria nas mãos de outra YBA, Rachel Whiteread). E desde a última década, tem mostrado constantemente o seu trabalho em Portugal.
Não é de admirar que alguns dos artistas convidados para ocupar a Galeria Oval acabem por se perder na sua imensidão. Maior, não é necessariamente melhor. No caso de Bulloch, parece ser uma espécie de meio termo, em que obras pré-existentes (nomeadamente algumas das esculturas e quadros, os últimos a acompanharem o espetador enquanto desce a rampa circundante) se conjugam com trabalhos novos, de maneira a que tudo preenche o espaço de maneira descomplicada, mas justa.
Por um lado, as formas – a pilha modular e o poliedro irregular – remetem para a nossa infância, os ensinamentos de geometria e os seus mistérios. O visitante pode entreter-se com as superfícies, com os jogos de luz e de aparências, com o agrado de padrões. Numa análise mais profunda, revelam-se ponderações sobre o andamento da nossa realidade, que se pode assemelhar a um enigmático parque de recreio futurista, que brinca igualmente com a virtualidade, as possibilidades do avatar e as novas tecnologias.
Anima Vectorias foi desenvolvida em colaboração com Russell Haswell, compositor de uma banda sonora eletrónica que por vezes nos leva a crer que estamos numa pista de dança (vai beber aos sons da música tecno) e com Fred Fröhlich, especialista em animação e representação em 3D. Todavia, neste caso fica na dúvida se a densidade do som reflete sempre as preocupações da artista. Mas pode entusiasmar.
O que foi realmente surpreendente é uma consideração que acrescenta uma nova dimensão à leitura da obra de Bulloch. Para muitos, pode parecer assumidamente isenta de referências a questões de género, ocupando um espaço conceptual algo “assexual” e “discreto” (ao contrário de outros YBA’s mais rocambolescos, até na sua vida pessoal). Interroga-se, sim, sobre as pressões, os enquadramentos da vida contemporânea, mas no caso desta instalação, parece haver uma aproximação direta a um universo virtual feminino. Anima refere-se tanto aos arquétipos de conduta (Jung), como à parte interior feminina da personalidade masculina. Vectorias é o acusativo feminino de “carregar” (em latim). No vídeo-projeção Digital Death Dream and other conscious matters, os olhos são da artista. Bulloch parece ter feito o “remake” da obra de Warhol, Outer and Inner Space, precisamente porque personifica a presença luminosa de Edie Sedgewick. E em Action Girl e, por fim, Exhibition Experience, as avatares, as nossas duplas digitais, também se assumem. A nossa guia virtual chama-se Jane, e está suspensa no ar, mas sem o Tarzan a carregá-la nos braços.
Será uma espécie de momento #metoo para Bulloch?