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Serendipity ou a arte de interpretar os sinais, na Galeria Francisco Fino

Serendipity ou a arte de interpretar os sinais, patente na Galeria Francisco Fino, com curadoria de Maria Inês Rodriguez, interpela-nos ainda no exterior com a frase de Zak Kyes a alertar para o perigo iminente: Strong Currents. De seguida, ao entrar, vemos a fotografia de Adrien Missika, na qual um livro – sem leitor, só com duas mãos – se funde com a metade inferior da paisagem (o mar aparentemente calmo), evocando, tal como o título indica, o oceanógrafo francês do século XX, Jacques Cousteau, responsável por enormes avanços no conhecimento do meio subaquático, e cujo nome foi escolhido para renomear a Isla Cerralvo (México), motivando protestos.

Ao centro da sala as redes de pesca de grandes dimensões da artista Carolina Caycedo determinam o ambiente da exposição, definindo-se como elemento agregador, pela relação que estabelecem com as demais obras que orbitam em seu redor. As formas cónicas e coloridas lançam-se sobre nós, ameaçando o enclausuramento. A sua presença suprime, por um lado, a dimensão temporal – através da suspensão do movimento -, e vinca, por outro, a dimensão espacial – quase fantasiosa.

As três fotografias de Luísa Cunha (da série Coisas) são prova da acuidade da proposta curatorial. Apresentadas recentemente dentro de um conjunto mais amplo, adquirem aqui novas significações, corroborando também a poética que lhes é inerente. Apesar de a artista reiterar a autonomia do seu trabalho face a questões de cariz político-social, as suas obras demonstram serem capazes de se transfigurarem conforme a exposição e os diálogos estabelecidos – sem que nenhum destes belisque as suas valências plásticas.

A sensibilidade da curadora está cunhada quer na seleção do conjunto, quer na construção da temática da exposição – da qual é exemplar o próprio texto, que parte de um conto persa (Viagens e Aventuras dos Três Príncipes de Serendip). É-nos proposta uma viagem sem rumo, sem princípio nem fim, na qual a chave é precisamente o movimento incerto, capaz de provocar a releitura de questões prementes como são, no caso, aquelas ligadas aos oceanos.

O apelo às sensações é exponenciado pelas esculturas de Felipe Ribon, que difundem a partir do interior uma fragrância, e que, apesar da sua imaterialidade, adquire um carácter igualmente tridimensional.

Por sua vez, os desenhos de Cecilia Bengolea evocam visões míticas, num registo próximo dos desenhos infantis, sobre o mar e os seus monstros que desde os primórdios deram rosto ao desconhecido. Torna-se inevitável pensar que o receio por criaturas temíveis e desastres marítimos foi substituído pela catastrófica ação humana e pelas suas desastrosas consequências para o próprio ecossistema.

As peças dos oito artistas situam-se neste cenário instável que oscila entre a superfície e as profundezas de um oceano que revela, ou insinua, os seus mistérios; uma espécie de Atlântida que desvenda um conjunto de fragmentos (discursivos). A ruína – pelo menos enquanto ameaça – surge assim como possibilidade de mudança de rumo, e de criação de caminhos alternativos àqueles que têm demonstrado por diversas vezes a sua falibilidade.

O filme Outwardly from Earth’s Center, de Rosa Barba, é exibido na última sala e atravessa várias das premissas enunciadas anteriormente. Como se de um documentário se tratasse, é apresentado um território nórdico (fictício) que tende a desagregar-se e a desaparecer. Ao longo da narrativa académicos, cientistas, políticos e sobretudo a população, reúnem esforços e põem em prática ações coletivas, que se vão tornando cada vez mais surreais.

No fim, revi a exposição ao contrário; surgiram novas interpretações e o percurso foi outro; recordei a tal serendipity, que Maria Inês Rodriguez nos sugere.

Até dia 20 de dezembro na Galeria Francisco Fino.

Francisco Correia (n. 1996) vive e trabalha em Lisboa. Estudou Pintura na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e concluiu a Pós-graduação em Curadoria de Arte na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Tem escrito para e sobre exposições. Simultaneamente desenvolve o seu projeto artístico.

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