Papendrecht de Guido van der Werve, na Monitor
Papendrecht é a exposição individual de Guido van der Werve na galeria Monitor em Lisboa, que inaugurou a 25 de setembro.
O percurso do artista holandês distingue-se pela sua peculiaridade. Começou por estudar piano no conservatório, tendo desistido em pouco menos de um ano. Seguidamente estudou arqueologia clássica, russo e design industrial, até entrar na Gerrit Rietveld Academie em Amesterdão, onde experimentou diferentes áreas artísticas. A performance foi a que lhe despertou maior interesse, apesar da insatisfação que sentia face à maioria das artes visuais quando comparadas com a música. “Todas as artes visuais aspiram à condição da música”, diria.
Por outro lado, o desconforto da sua presença perante o público durante a performance seria algo que lhe causava grande desconforto. Assim, opta por explorar o vídeo, sendo que na sua opinião a combinação entre a música e as imagens em movimento teria um impacto semelhante ao da música.
Em Papendrecht, nome da vila natal de Guido van der Werve, são apresentados dois vídeos realizados num intervalo de nove anos.
Nummer twee, just because I’m standing here, doesn’t mean I want to (2003) é o exercício final dos seus estudos na Gerrit Rietveld Academie e foi através dele que o artista entrou no circuito das artes internacionais. O vídeo canaliza as emoções e frustrações vividas na altura do culminar do curso que antecedem a incerteza do futuro.
A narrativa tem lugar na rua onde Guido van der Werve cresceu. O artista encara a câmara caminhando para trás até ser atropelado por um automóvel. Ao lado do corpo caído no chão, avista-se um carro de polícia, de onde saem cinco bailarinas que começam a dançar o Concerto de Natal de Corelli.
Nummer veertien, home (2012) homenageia Frederique Chopin, compositor romântico de referência para Guido van der Werve. Chopin nasceu na Polónia em 1810, filho de mãe polaca e pai francês. Aos 20 anos mudou-se para Paris levando consigo um pedaço de terra da sua cidade natal. O compositor acabaria por morrer em Paris aos 38 anos sem nunca regressar à Polónia. “I don’t feel the pain anymore” foram as suas últimas palavras.
Depois da cerimónia na igreja La Madeleine em Paris, onde se escutou o Requiem de Mozart, o seu corpo foi enterrado no cemitério de Père Lachaise. Satisfazendo o seu desejo, a sua irmã transportou o seu coração de volta à Polónia, que foi colocado dentro de um pilar da Igreja de Santa Cruz em Varsóvia. Desde esse dia, o corpo e o coração de Chopin encontram-se 1.703,85 km separados, sete vezes e meia a distância da prova de triatlo, Ironman.
Guido Van der Werve compôs um requiem para Nummer veertien, home (2012) que acompanha o percurso que descreve em triatlo desde Varsóvia até Paris. O artista atravessa 1000 milhas transportando um pedaço de terra do país de origem de Chopin até ao seu túmulo em Paris, invertendo o percurso traçado pelo seu coração após a sua morte. A homenagem a Chopin é intercalada por outras duas narrativas: a história de Alexandre, o Grande e a infância do próprio artista. Os três protagonistas deixam muito cedo os seus lugares de origem e acabam por nunca regressar.
Ambos os trabalhos abordam o conceito de casa, apresentando um estado mental do artista pautado por um sentimento de exílio em relação à própria casa. A melancolia e existencialismo são pontuados pelo absurdo e o corpo é conduzido à exaustão. O trabalho de Guido Van der Werve é marcado pelo uso do próprio corpo no limite assim como pela existência de muitos aspetos autobiográficos.
A Monitor adiantou que o trágico acidente que o artista sofreu há cerca de dois anos, deixando-o perto da morte, motivou o trabalho que está de momento a desenvolver, uma longa metragem com cerca de 1h30/2h de duração.
Os trabalhos de Guido Van der Werve podem ser vistos na galeria Monitor em Lisboa até 2 de novembro.