A Sonic Youth
É importante fazer incursões por territórios artísticos menos conhecidos e mapear novas tendências. Diz Filipa Oliveira, curadora da exposição A Sonic Youth, que um curador não faz futurologia e de facto, quantas vezes não vimos já jovens promessas que passado algum tempo desaparecem. Mas isso não invalida que se façam com frequência auscultações a novos artistas, no sentido de perceber novas tendências e assim, expandir o campo artístico e as suas possibilidades. É o que acontece em A Sonic Youth.
Na Galeria Municipal de Almada podemos ver 14 artistas que trabalham diferentes media e que se debruçam sobre diferentes temáticas, num mapeamento bastante diversificado de tendências que vão da pintura figurativa de Adriana Pragaró até instalações como a de Inês Neto dos Santos. Dos artistas presentes, alguns têm já um corpo de obra assinalável para a sua idade e para o seu tempo de prática artística. É o caso de Jaime Welsh que vive e trabalha em Londres, bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian, que aqui é representado pela série Blood (2019), uma série de fotografias de personagens cujo reflexo vemos no espelho ou que vemos em frente a espelhos sem que vejamos o seu reflexo. Sempre em ambiente intimista e doméstico, tanto na pose e nas vestes (ou na sua ausência) das personagens, como no ambiente que os rodeia. Só em 136min Into Blood a personagem deitada sobre um espelho, revê-se num monitor em que está novamente deitada sobre um espelho. Temos, assim, a imagem dentro da imagem e a confrontação entre repetições que não proporcionando uma imagem infinita, nos dão essa sensação de uma padronização que pode ser ilimitada. Uma referência a um Narciso dos tempos modernos que já não se olha na água, mas sim, sem pudor, no próprio espelho e ainda revê esse momento. Uma espécie de crisálida que nunca chega a borboleta.
Inês Neto dos Santos apresenta uma estante de fermentados Ferment Tour (2019), em que várias prateleiras contêm frascos com diversos alimentos (frutas, legumes e chá) em diferentes estágios de fermentação. Inês Partilha connosco uma peça que já apresentou noutros locais e que se insere num percurso que passa também pela performance em locais onde cozinha e onde o visitante pode experimentar, inclusive os próprios fermentados (que, sabemos já, são essenciais a um bom regime alimentar, pois proporcionam-nos probióticos naturais). Esta obra permite-nos não o sabor, mas dá-nos não só a fruição visual como a odorífera, pois a fermentação tem um odor intenso. O que vemos dentro dos frascos são colónias de bactérias (que em certo ponto da fermentação são muito importantes para o nosso intestino) e que nos dão uma espécie de sonata visual flutuante, com diferentes dimensões, texturas e cores.
Primeira desordem é formada por uma dupla de artistas: Hugo Gomes e João Marques cujo jovem trabalho tem uma forte componente política e de crítica social. Tem também um forte sentido de humor, patente na obra Para Pagar Multas, Advogados e Despesas de Tribunal (2018), em que um bidão de gasolina de metal foi pintado e criada uma ranhura, tornando-o um mealheiro gigante, numa espécie de antevisão do que poderá ser ainda o carácter interventivo desta dupla e os problemas que daí poderão advir.
Mood Keep (2014) de Alice Reis mostra-nos um vídeo contemplativo de axolotles (uma espécie de salamandra considerada em perigo de extinção cujo nome deriva de um deus azteca) onde nos é fornecida alguma informação sobre estes animais e uma história sobre como alguns destes exemplares desenvolveram pálpebras em diferentes locais do mundo.
Este evento passará a ser bienal, pois para Filipa Oliveira, esta auscultação às novas gerações deve ser algo cíclico, já que tem um grande carácter de imponderabilidade. Por outro lado, parece-nos importante também, porque permite dar voz a artistas que não estando ainda no circuito artístico mais institucional, têm assim, oportunidade de fazer ouvir a sua voz e de mostrar um seu trabalho num formato que, de alguma forma, os protege.