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Físicas do Património Português. Arquitetura e Memória, uma líquida, sólida e gasosa equação

A exposição Físicas do Património Português. Arquitetura e Memória, presente no Museu de Arte Popular, foi estendida até dia 29 de setembro, de modo a integrar as Jornadas Europeias do Património.

Até lá, podem também participar naquela que será a última sessão do programa paralelo da exposição, com uma conferência do arquiteto João Luís Carrilho da Graça, pelas 18h do dia 26 de setembro. A apresentação estará a cargo do arquiteto Jorge Figueira, curador principal da exposição.

Uma reflexão sobre o Património Português que pudesse ser alargada a todos e não só a especialistas pareceu ser uma necessidade defendida por Jorge Figueira, no entendimento que, mesmo dentro da classe, o termo “património” ainda continua a ser complexo e que a própria definição de “arquitetura portuguesa” é sujeita a distintas interpretações, num país onde as ideias de preexistência e memória tiveram um antes e um depois marcado pelo momento da revolução de 1974. Se até ao 25 de abril, o apogeu da modernidade assentava num Portugal preexistente, como a exposição do Mundo Português em 1940 anunciava, depois foi hora de sede de mudança, mas também de análises profundas sobre o legado histórico, como foi o caso da intervenção do Chiado do arquiteto Álvaro Siza.

Com a ironia que lhe é tão caraterística, Jorge Figueira refere no catálogo da exposição “Adaptativa, restauradora, memorialista, a arquitetura portuguesa não sofre de tábua rasa, nem imagina um futuro inextricado do passado. Nem que sejam os anos idos da arquitetura moderna, que os arquitetos tanto gostam de evocar. Mas não falem em “património” …” Sem tabus, propôs aqui pensar, analisar e mostrar, intervenções recentes sobre o património português, exatamente num edifício com tanto de incrível como de polémico como o Museu de Arte Popular, em Belém. Que melhor lugar para contar esta história “atribulada” da cultura portuguesa do século XX?

Num país onde as questões económicas e a escassa crítica especializada foram alguns entraves para a salvaguarda do Património, importa celebrar nesta exposição, exemplos de como, cirurgicamente, algumas obras foram importantes para esse “saber olhar” e “saber intervir”. Juntamente com o arquiteto Carlos Machado e Moura, a curadoria desta exposição assume que falar de arquitetura portuguesa é indissociável da leitura destas intervenções. Jorge Figueira assumia, na apresentação desta exposição que “não se pode falar de Álvaro Siza, sem se falar do Chiado; não se pode falar de Souto Moura, sem se falar do Bouro; não se pode falar de Carrilho da Graça sem se falar de Flor da Rosa”, entre muitos outros exemplos.

Já muitas exposições, investigações, conferências foram realizadas por muitos dos académicos e técnicos que há décadas trabalham para se pensar e preservar o património. Físicas do Património apresenta-se como uma homenagem a todos os que trabalham para tal, mas pretende ir mais longe nessa celebração. Da componente de fisicalidade e construção que a matéria arquitetónica resulta, há também aqui a metáfora dos vários estados da matéria.

Na secção líquido a exposição revela-nos, através de vários exemplos, que os arquitetos portugueses criam diálogo com o património “sem excessiva cerimónia”, ou “algum à-vontade”, o que não significa o “não respeitar”, mas denota uma “não inibição ao entrarem nos edifícios” e ao trazerem-lhes uma apropriação contemporânea. O estado “sólido” é apresentado com seis maquetes de seis lugares, que nos contam, que ao contrário dos exemplos “líquidos” há espaços em Portugal que têm tal peso emblemático e simbólico que a intervenção não tem conseguido vencer, como Sagres ou a Alta de Coimbra. E no estado “gasoso” chega-nos o discurso pertinente das alterações a que a baixa de Lisboa e a baixa do Porto têm sido sujeitas, como uma espécie de “evaporação” que não sabemos como irá terminar, trazendo também para o debate a questão do turismo (sobretudo através de uma das mesas redondas que o programa paralelo propôs) mas não a tornando como discussão central nesta exposição.

Com uma lucidez de alguém que sabe estudar a arquitetura portuguesa, Jorge Figueira não só nos enaltece os projetos que, de forma irrepreensível, souberam lidar com o património, como não deixa de mostrar, para os mais atentos, alguma leviandade com que por vezes ele é tratado. É preciso visitar esta exposição, não como um compendio de obras dos “intocáveis”, mas como uma análise aprimorada por um sarcasmo subtil dos paradoxos que são aqui apresentados, num discurso de entrelinhas entre o perigo e a sedução.

Fabrícia Valente é formada em Arquitetura pela Universidade de Évora (pré-Bolonha) e tem formação em áreas complementares como o vídeo, a fotografia e a produção de exposições temporárias. Desenvolve a sua atividade entre a Curadoria (ex: Pavilhão KAIROS), a Crítica (é editora da secção online de Arquitetura da Umbigo Magazine e faz parte da redação do J-A) e a Mediação Cultural (Museu Coleção Berardo e MAAT), já tendo trabalhado em mais de 90 exposições. Colabora com diversas entidades na procura da multidisciplinariedade entre a Arquitetura, as Artes Plásticas e a Música, áreas onde está a desenvolver trabalhos de investigação.

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