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Union Jacking. Voice of the Voice£ess, Yonamine na galeria Cristina Guerra Contemporary Art

Union Jacking. Voice of the Voice£ess, de Yonamine, na Cristina Guerra Contemporary Art, é daquelas exposições que o são mesmo; que não se limitam a mostrar a produção recente do artista e que primam pela ousadia, apresentando, neste caso, um ambiente que é em si uma grande instalação. De facto, este é um aspeto característico das individuais do artista nascido em Angola, pois cada exposição sua sugere uma narrativa a partir do agrupar de trabalhos, materializados sobre múltiplas técnicas e suportes, que contêm individualmente estórias e significações próprias. Com o passar dos anos, esta tem-se revelado uma das principais premissas do seu trabalho:  a possibilidade de ficcionar uma história alternativa, onde mistura referências e factos, propondo, numa verdadeira perspetiva decolonial, o questionamento da extensão das estruturas que viabilizam formas de poder cruelmente opressoras.

Yonamine fá-lo de maneira irrepreensível, com um trabalho vigoroso, impactante e estranhamente alegre. Provavelmente consciente de que o riso pode ser também ele uma arma contra o poder instituído – ou não fôssemos culturalmente avisados que com assuntos sérios não se brinca. A presente exposição é povoada por imagens icónicas – a figura de Napoleão, o traje do Ku Klux Klan ou os guardas da Rainha, entre outras – que se misturam e através de subtis alterações, plenas de ironia, apontam símbolos disseminadores da ideologia supremacista branca nos países africanos.

Desde a entrada da galeria que a agitação é constante e os estímulos incontroláveis, vídeos e imagens animadas fundem-se com padrões, e dialogam com a grande instalação montada diretamente na parede, que reúne diversos materiais como trajes, recortes de jornais do Zimbábue, tecidos, pinturas e um feixe circular de luz que remete instantaneamente para uma cena de detenção policial. Simultaneamente, escuta-se em permanência o som do zumbido de abelhas que segundo o artista evocam precisamente o murmúrio de todos aqueles que foram e são remetidos ao silêncio.

A exposição, tal como o título sugere, faz constantes referências à Union Jack – a bandeira do Reino Unido –, o símbolo máximo da reminiscência do poder imperialista britânico, responsável no Zimbábue pela opressão e minimização da cultura local. Yonamine, num ato que pode ser igualmente considerado político, evoca-a através do uso de faixas refletoras, jogando assim com as suas possibilidades pictóricas. Os quadros feitos com sobreposições de tecidos e “remendos”, onde coabitam palavras, logótipos e figuras, são regozijantes e depurados, sobretudo quando comparados com séries anteriores do artista.

Na inauguração, Yonamine assinou e distribuiu pelos visitantes uma edição de pósteres que expandem a exposição – e a sua mensagem – para lá do espaço físico, corroborando que Union Jacking. Voice of the Voice£ess é também um manifesto, onde, sem tristeza, identifica e acentua a perversão das estruturas de poder camufladas e ainda (brutalmente) vigentes no Zimbábue. Por outro lado, demonstra também a capacidade da arte para subverter códigos, usá-los sem regras, e assim criar contranarrativas, que vão muito para lá da política; e para lá das palavras.

Até dia 12 de outubro na galeria Cristina Guerra Contemporary Art.

Francisco Correia (n. 1996) vive e trabalha em Lisboa. Estudou Pintura na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e concluiu a Pós-graduação em Curadoria de Arte na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Tem escrito para e sobre exposições. Simultaneamente desenvolve o seu projeto artístico.

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