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Parting with the Bonus of Youth – Maumaus as object

O título estabelece o tom desta intrigante exposição individual da Maumaus. “Parting with the Bonus of Youth” pode remeter para o ato de “perder por completo a visão otimista, as ilusões, a ingenuidade e a inventividade” ou para o “ser largado na selva, confrontado com as brutas realidades do mundo”; para o “sobreviver enquanto artistas e pensadores críticos na era do marketing triunfante” ou para “ser maduro, assumir responsabilidades e fazer corretamente as coisas”. A menos que se refira a algo como “aguardar pelo fim de um ciclo e pelo começo de outro”.

Então, o que é exatamente uma exposição Maumaus, o que é a Maumaus como objeto?

Seja o que for, uma coisa é certa, esta exposição coloca em cheque o espaço tradicional daquilo que constitui uma galeria e os seus espectadores, já para não falar do crítico de arte e, talvez, no fim de contas, o colecionador de arte – se os houver – suficientemente corajoso para acatar as propostas apresentadas!

Experimentemos fazer uma descrição: uma exposição intelectual neo-dadaísta que joga com ideias sobre arte e não-arte e com objetos não-não artísticos; uma meditação filosófica sobre práticas, utilizações e discursos de arte contemporânea, questionando a tendência que leva o marketing ao encontro da produtividade artística através de objetos mercantis que deixaram de ser comercializáveis; uma extensão espacial e um registo de expressões materializadas do elevado comprometimento intelectual da Maumaus, absolutamente consciente, por um lado, dos limites e da aporia da sua reflexão filosófica, e, por outro, das dificuldades que podem advir da singular e exigente fusão entre teoria e práticas artísticas; uma tentativa indireta de abordar o aparentemente implacável processo de gentrificação e os problemas provocados pela atual pressão imobiliária em Lisboa; a vontade de romper com a arte comercial e de criar efeitos estéticos com base numa coleção de objetos não sensacionais, não desejáveis ​​e não artísticos; uma forma de criar sentido a partir de uma teatralização “vazia”, confrontando os espectadores com uma apresentação pura, ou com uma presença despida de significado…

Entregues a si mesmos, os objetos parecem referir-se só a eles mesmos, ao seu estatuto de objetos de interesse apresentados no contexto artístico. À maneira de Baudrillard, a perspetiva antropológica fica aquém do social e está para lá dele. Enquanto objetos singulares, não retratam nada em específico, pois não são representações artísticas, nem objetos artísticos, mas apontam certamente para o défice de representação em determinados mundos, aos quais acenam através da conexão remanescente ou da função que desempenhavam anteriormente nos seus contextos sociais originais. Uma espécie de ready-mades já ready-made, extensões contemporâneas niilistas do urinol de Duchamp, a maioria dos objetos são deslocados, retirados do seu contexto comum e impessoal de atividades quotidianas, do trabalho, da logística, do comércio, do consumismo e da propaganda.

Naquilo que pode ser entendido como uma cenografia limpa e lúdica do tradicional espaço artístico expositivo, os objetos são apresentados na sua “realidade” obsoleta e presença insípida. Colocando em suspenso todas as crenças e expetativas relativas à arte, expõe-se a sua total banalidade, o seu estatuto de objetos triviais e insignificantes. De facto, o espectador é confrontado com uma alcatifa cinzenta e usada de feira de negócios, painéis de madeira prensada ao estilo Ikea com fórmica laminada e madeira de faia, uma transmissão em direto de uma canal americano de TV, um sistema de exposição em acrílico, uma fotocopiadora avariada, uma plataforma de tesoura elétrica, uma instalação com um sistema de garrafas de soro, um penico e uma sonda fetal, uma tomada elétrica colocada no centro de uma vasta parede branca, uma estante de livros Ikea Billy quase vazia, uma tribuna, um pano de fundo, um reclamo de bar em néon, um toldo comercial, cercas de obra em metal galvanizado e cimento…

Entre estes objetos de interesse, são explicitamente dadas algumas pistas e caminhos através de referências artísticas, literárias, intelectuais e políticas. Figuras de grande comprometimento, como Alexander Kluge e Allan Sekula, iluminam este conjunto de objetos banais e surpreendentes. Nas prateleiras amarelas Billy do Ikea, encontramos um pequeno grupo de livros da autoria do político comunista albanês Enver Hoxcha. Subitamente, o tempo da receção estética e intelectual muda e, em vez do imediato, somos convidados a mergulhar na vertigem da história, transbordando de curiosidade e de questões, aprofundando o conhecimento e os processos do pensamento crítico.

Dentro da exposição, repleta de humor, encontra-se uma reflexão em segundo plano sobre as estruturas de poder, as condições económicas e sociais, o capitalismo e as suas diferentes expressões como o imperialismo, o social-nacionalismo, o comunismo, o neoliberalismo…

Em suma, estamos perante uma espécie de exercício filosófico sobre os sistemas de arte no geral, incluindo pedagogia de arte, exposições de arte e mercado de arte e, desta forma, tende a concentrar-se na relação entre o preceito e o conceito, com pouco espaço para as dimensões afetivas e emocionais.

A não perder. Galeria Avenida da Índia, até 8 de setembro

 

Katherine Sirois é historiadora de arte e autora freelance canadiana nascida em Montreal. Formada em Estudos de Artes na UQÀM (Mtl), onde foi assistente de ensino e de investigação, foi doutoranda na EHESS (Paris), com a orientação de Daniel Arasse, e no Departamento de Estética da Universidade de Paris I-Panthéon Sorbonne. Está actualmente associada ao Instituto de História da Arte da Universidade NOVA de Lisboa. É co-editora e curadora do e-magazine de arte contemporânea Wrong Wrong e é membro da equipa de curadoria do projecto Ymago. Foi recentemente incluída na equipa dos colaboradores da Umbigo.

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