Às Nove a Caminho, de Sara Mealha
Às Nove a Caminho é o título da exposição individual de Sara Mealha que inaugurou a 7 de junho na Balcony – Contemporary Art Gallery em Lisboa. Com formação em pintura, a artista utiliza diversos suportes tendo em conta as especificidades de cada abordagem. Às Nove a Caminho reúne desenho, pintura, escultura e instalação.
O piso superior da galeria é ocupado pelos desenhos de maiores dimensões. Todos eles representam sapatos, composições coloridas de sapatos, ou da ideia que a artista tem daquilo que é um sapato. Utiliza o óleo no sentido de perpetuar composições, já que outros materiais que antes utilizava, nomeadamente aguarelas líquidas, acabariam por desaparecer com o passar do tempo. O desenho acaba por ser ele próprio um caminho, um caminho através do qual Sara Mealha vai progressivamente reinventando exaustivamente a forma do sapato, criando imagens, registando cada reinterpretação do mesmo objecto.
Palmilhas que se entrelaçam e contorcem, que andam marcando um ritmo mais ou menos acelerado – “flap, flap, flap, flap” – ao mesmo tempo que permanecem no mesmo lugar, palmilhas que são edifícios, montanhas, sombras, objetos voadores não identificados e muitas outras coisas. Composições que lembram as pinturas representativas de Philip Guston, nas quais abundam também sapatos e palmilhas que constituem paisagens e monumentos em jeito cartoonista.
A liberdade de composição de imagens revela-se, segundo a artista, muito maior através do desenho/pintura do que através da escultura. É neste sentido que a exposição anuncia um regresso às origens tendo em conta a sua formação em pintura, e o universo humorístico e de brincadeira que envolve o seu trabalho.
O espaço amplo e luminoso do piso superior contrasta com a galeria-corredor circular no piso inferior. Aqui a artista opta por contrariar essa circularidade, bloqueando uma das suas extremidades com uma parede. A entrada é a única saída sendo o público forçado a regressar ao ponto inicial após percorrer a totalidade de um corredor muito comprido. Este retorno leva-o a ver uma segunda vez as peças da exposição, segundo uma ordem inversa à primeira.
Várias esculturas de casas, diferentes interpretações da mesma casa, do arquétipo de casa ou da ideia de casa, povoam o piso da cave. Do mesmo modo que persegue através do desenho/pintura a forma do sapato, Sara Mealha reitera incessantemente a forma da casa, modificando-a. Estica-a, encolhe-a, deforma-a, reposiciona-a, constituindo esculturas em madeira com paredes brancas e telhados vermelhos que enche de terra impossibilitando o seu habitar. Cria, uma vez mais imagens que interagem com o corpo e com o espaço.
O percurso termina num troço do corredor efusivamente iluminado onde estão expostos outros desenhos de sapatos de menores dimensões. É sugerido um retorno ao espaço inicial no piso superior. O chão existente na cor cinza é coberto com folhas das páginas amarelas que conferem maior luminosidade ao espaço individualizado por uma cortina composta por faixas de plástico translúcido.
O carácter de instalação do próprio espaço de exposição, onde a artista também intervém, integra-o igualmente no corpo de trabalho apresentado. Uma experiência que nos transporta para o “brincar às casinhas” integrado no universo de Sara Mealha.
Sem folha de sala, a exposição é acompanhada por um pequeno livro onde a artista reuniu oito textos alusivos ao ato de caminhar. O nono é o dela própria, materializado na própria exposição.
Às Nove a Caminho poderá ser vista até 7 de setembro, na Galeria Balcony, em Lisboa.