O Homem como Arquipélago – Exposição Fernando Lemos Designer
Quando Fernando Lemos fotografava nos anos 40, disparava sobre o mesmo negativo várias vezes até a imagem ficar saturada, nublada e obscura. Num primeiro encontro com a fotografia, o observador era confrontado com uma profusão de estímulos vários, rostos por decifrar, transparências fumeantes, atmosferas enigmáticas, sibilinas.
As fotografias eram revolucionárias para o espírito da época, ainda dominado por um certo naturalismo nostálgico, tardio e sintomático de um regime que o forçou a sair de Portugal, nos anos 50, e a procurar no Brasil um melhor ambiente para as suas aspirações artísticas – bem como uma atmosfera mais propícia para um “pensar com liberdade”, nas palavras de Chico Homem de Melo, curador da exposição antológica.
Lemos fotografava, de forma livre e incansável, múltiplos de imagem – a lembrar o surrealismo polarizante de Man Ray – e em diferentes tempos, ao ponto de eliminar uma das características mais nucleares da fotografia: a propriedade de ser imagem fixa, a captação do instante, a fixação do momento.
Por ocasião da sua visita à inauguração da exposição, Fernando Lemos Designer, patente neste momento na Cordoraria Nacional – exposição antológica da sua obra e reveladora também da sua atividade enquanto designer gráfico, menos conhecida de muitos –, Fernando Lemos falou da sua obra, da sua vida, com semelhante fluidez e desembaraço com que realizava as suas fotografias.
Do mesmo modo que a obra de Lemos se desdobra em várias formas de arte, da fotografia à pintura, da azulejaria à ilustração, da poesia ao design, o discurso do artista estende-se, com igual espessura, na direção de múltiplas interpretações, e caminhos possíveis de reflexão e debate. Fernando Lemos, esteve presente no momento da apresentação da exposição aos jornalistas, organizada pelo MUDE, com direção de Bárbara Coutinho.
À medida que o artista gráfico ia explicando aos jornalistas a obra gráfica, principal razão para a realização desta exposição, dimensão menos conhecida da sua obra, falou sobre a condição do design e esclareceu: “[o design] muitas vezes é tratado como desenho, por equívoco. O design industrial não é desenho. O design é o resultado de uma ideia, de um sonho, que tem que ser construído, tem que passar por fases de investigação, por pesquisa e por várias avaliações. É complicado de mais para se chamar desenho”. No entanto, este olhar sobre a disciplina não é menos apreciado por Lemos, muito pelo contrário, como aliás bem demonstra o texto de Bárbara Coutinho, presente no catálogo da exposição. A diretora do museu revela a “singular sensibilidade de Lemos”, segundo Margarida Acciaiuoli, e “o reconhecimento do desenho como expressão plástica autónoma”, ao mesmo tempo que como prática ao serviço de um projeto específico.
Em qualquer das áreas que Lemos desenvolveu – e no sentido do artista “como arquipélago”, segundo Chico Homem de Melo – com idêntica versatilidade e empenho, não abandonou a convicção no desenho, nem tão pouco os seus valores modeladores. A dicotomia luz e sombra mantém-se, oriunda da sua prática original na fotografia, segundo Bárbara Coutinho, e expande-se em várias das suas outras áreas, numa perpetuidade estilística moderna, com as referências ao abstracionismo, e ao cubismo. Como se pode verificar, estes valores pronunciam-se e materializam-se, na ampla obra que realiza, como a grande tapeçaria criada em 1960 para a loja da TAP; nas estamparias de 1960; no alto contraste observado nas ilustrações a azul primário e negro, sobre fundo branco, presentes no livro Voa pássaro voa, de 1978; nos diferentes logótipos realizados para a universidade de São Paulo; no belíssimo livro Recado, de 1960; nos murais desenhados em 1990, para a estação de metro Brigadeiro, em São Paulo; no catálogo da exposição Tanto Mar – Fluxos Transatlânticos do design, realizada pelo MUDE, em 2018, entre outros.