minha solidão sente-se acompanhada, de Manuel Costa Cabral
“Talvez a atividade criativa mais importante na minha vida fosse não pictórica”, palavras de Manuel Costa Cabral, formado em pintura pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa em 63. O seu percurso profissional não se restringiu ao trabalho em atelier. Em 1973 funda o ar.co (Centro de Arte e Comunicação Visual) em conjunto com a escultora Graça Costa Cabral; Honorary Fellow do Royal College of Art de Londres em 1993; Diretor do Serviço de Belas Artes da Fundação Calouste Gulbenkian (de 1994 a 2011); e atual curador de exposições e conferências em colaboração com a Fundação Carmona e Costa. São estes apenas alguns exemplos do seu percurso.
A convite da galeria Projecto Travessa da Ermida, Costa Cabral expõe individualmente obras de pintura datadas da década de 90 – período de especial destaque e marcante no seu percurso profissional e pessoal, devido à sua residência nos Estados Unidos a convite do Art Institute of Chicago.
Simili Modo, 1991, destaca-se no momento de entrada no espaço, centrada em relação ao arco da Ermida que subdivide o espaço expositivo em dois momentos. “Do mesmo modo, está relacionado com as Janelas do atelier em Chicago, bastante grandes onde eu via a arquitetura de Louis Sullivan“, palavras do autor ao introduzir a obra percursora do diálogo expositivo, através da qual explora vetores da imaginação e linhas de força essenciais à compreensão da experiência espacial, numa tentativa de representação da mesma situação de outra forma, noutro contexto.
Relógio de Sol [1 metro em 42 minutos], 1992, é referente ao atelier de Lisboa, mediante a representação da luz proveniente da iluminação zenital do espaço que, com a passagem do tempo, desenha um quadrado de luz no pavimento que leva 42 minutos a percorrer 1 metro de distância. As duas realidades espaciais do exercício de pintura de Costa Cabral, estabelecem diálogo através do antagonismo associado à sua génese, tão natural quanto a orientação Norte – Sul que cada obra pontua.
Do atelier de Chicago surge o díptico Ornato 1 e 2 [homenagem ao arquitecto Louis H. Sullivan], 1991. Através das janelas, a cidade tornava-se presente no atelier. Louis Sullivan é um arquiteto relevante no contexto de Chicago, cuja arquitetura apresenta uma incrível dualidade: por um lado usufrui da evolução tecnológica da aplicação do aço na construção afim de permitir um elevado incremento na altura do edifício, por outro lado defende a importância do ornamento em arquitetura como um bem essencial à mesma. Os elementos pictóricos em forma de afloramentos heráldicos, simples e quase simétricos simbolizam o fascínio do autor pela arquitetura de Sullivan.
Para completar o diálogo, a obra En trompe l’oeil, 1994, propõe uma pintura bidimensional “que se lê tridimensional, enganando a perceção e originando uma ilusão de ótica, inerente ao ato de pintar“, segundo o autor.
As obras apresentam entre si características pictóricas bastante distintas. No entanto, o recurso à têmpera de ovo sobre o papel é constante, materializando-se em tons e texturas bastante díspares através de texturas sedosas e aguadas ou mais veludosas e opacas.
O título escolhido para a exposição, surge de um verso de Pablo Milanez, compositor e guitarrista cubano e refere-se ao sentimento solitário do trabalho artístico em atelier. Ao pintar, o artista sente-se acompanhado.
minha solidão sente-se acompanhada fala de espaço, de tempo, de experiência, de referências, de relações, de disparidades, de luz, de sombra, de textura, de cor e poder ser visitada no Projeto Travessa da Eremida até 13 de julho de 2019.