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The Unbalanced Land, de Adrián Balseca

Deparei-me pela primeira vez com Adrián Balseca na edição de 2018 da ARCOlisboa, na qual a galeria Madragoa exibiu o seu vídeo de 8:28 minutos em loop, El Cóndor pasa. Produzido em 2015, o trabalho digital constrói um cenário diurno poeirento e espectral das tribulações de um AYMESA Cóndor preto, um carro sul-americano fabricado no final dos anos 70 pela Vauxhall Motors (filial britânica da General Motors) e montado em Quito, no Equador. A vida e a morte do Cóndor acontecem numa paisagem equatoriana devastada, onde as formas de vida orgânica parecem ter desaparecido como consequência de enormes e insustentáveis atividades mineiras nos países do Sul, encetadas por empresas de extração estrangeiras. Um dos principais temas da obra artística de Balseca é imediatamente visível: o capitalismo neocolonialista globalizado, com os seus impactos nefastos e negativos sobre as terras, culturas, costumes, artesanatos e conhecimentos, na organização social, económica e política, nas comunidades e nos ecossistemas…

Balseca regressa agora à Madragoa com uma nova exposição intitulada The Unbalanced Land, com Rachel Schefer como curadora. O conjunto de obras visuais e sonoras mistura referências históricas, culturais, populares e conceptuais, trazendo diretamente do Equador para Lisboa um grupo de peças heterogeneamente montadas, as quais foram instaladas pela primeira vez no espaço natural da Ilha Santay, em Guayaquil. De entre as várias camadas de referências históricas que evocam as relações do Equador com os países imperialistas, a composição assume-se como uma espécie de reconstituição contemporânea de um trecho de Travels Amongst the Great Andes of the Equator, publicado em 1892 pelo explorador e alpinista britânico Edward Whymper.

Famoso pelas suas várias e inéditas ascensões às montanhas mais altas do mundo, e à sua exploração pioneira na Gronelândia e no Ártico, Whymper chegou ao Equador em 1879 para escalar o Chimborazo – após Alexander von Humboldt, que tinha já subido o vulcão em 1802. No seu livro de 1892, descreve uma cena com órgãos italianos anteriormente enviados de Lima para Guayaquil a fim de fugirem à guerra peruana. A bordo do Quito, quatro dos instrumentos “refugiados” tocaram em simultâneo uma peça musical ocidental diferente, atraindo os nativos, juntamente com alguns jacarés, que emergiram no rio para contemplarem a peça musical, de boca aberta.

O episódio narrado serviu como inspiração para a exposição de Balseca, que combina as tradicionais ferramentas locais de madeira, extraídas do universo agrícola e produtivo da Ilha Santay, e antigos rádios japoneses da Sanyo. Cada rádio emite sincronizadamente uma peça musical. Tocadas pelo compositor de música digital e pianista de jazz Daniel Mancero (Quito, 1983), as três peças são transcrições pianísticas de paisagens sonoras previamente gravadas na Ilha Santay e nas margens do Rio Guayas; as fábricas e moinhos de aveia, a pomba equatoriana com os pássaros chilreando e a água, recriando esse efeito “Babel” referido por Whymper. Os objetos montados foram depois exibidos na Ilha de Santay, circundados pelo rio Guayas, onde vivem jacarés semi-selvagens. Os animais emergiram novamente no rio para olhar e escutar os instrumentos musicais. O registo fotográfico a preto e branco da cena faz parte da exposição, juntamente com uma série mais extensa de slides fotográficos exibidos no segundo andar da galeria.

Balseca, com delicadeza e subtileza, evoca a descoberta de outras culturas e costumes pelos humanos e pelos “mais-do-que-humanos” nativos do Equador, sublevando o que poderia ser considerado a parte menos nociva da “exploração” estrangeira da América Latina: o efeito cultural, estético e artístico resultando dessa mescla. Mas a transcrição das paisagens auditivas dos ecossistemas locais equatorianos para a tradição ocidental “pura” da produção musical implica obrigatoriamente mais do que uma reflexão sobre a hibridização. De facto, parece abarcar uma crítica à dinâmica da hegemonia cultural e ao poder geopolítico exercido pelos países ricos e “desenvolvidos” em detrimento de outros. Seja na Ásia, na África ou na América do Sul, são muitos aqueles que ainda são vistos e tratados como depósitos de mão-de-obra barata e de matérias-primas. Essas ideologias e práticas sem escrúpulos e com grandes efeitos nocivos, ao mesmo tempo desestabilizadores e destrutivos, contribuem para uma Terra globalmente desequilibrada.

Na galeria Madragoa, até 20 de julho.

 

Katherine Sirois é historiadora de arte e autora freelance canadiana nascida em Montreal. Formada em Estudos de Artes na UQÀM (Mtl), onde foi assistente de ensino e de investigação, foi doutoranda na EHESS (Paris), com a orientação de Daniel Arasse, e no Departamento de Estética da Universidade de Paris I-Panthéon Sorbonne. Está actualmente associada ao Instituto de História da Arte da Universidade NOVA de Lisboa. É co-editora e curadora do e-magazine de arte contemporânea Wrong Wrong e é membro da equipa de curadoria do projecto Ymago. Foi recentemente incluída na equipa dos colaboradores da Umbigo.

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