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Elastic Days, de J. Mascis – um dinossauro longe da extinção

J. Mascis arrisca-se a parecer um adulto que se recusa a sair da adolescência, mas será isso uma coisa má? Usa uma guedelha completamente branca, geralmente coberta por bonés de camionista, enverga óculos de massa redondos e t-shirts com ilustrações esquisitas, não muito distantes das que Daniel Johnston faria.

A sua música, tanto nos Dinosaur Jr como na carreira a solo, é essencialmente uma extensão disso. Ao ouvi-lo falar, o seu tom oscila entre o “estou-me nas tintas” e a voz de quem está a fumar uma. É difícil perceber se J. se está realmente nas tintas para tudo ou se é mesmo atitude. No caso da música não há margem para dúvida, existe uma atitude completamente descontraída, de quem se sente em casa na miséria que a que a vida cria. Provavelmente, a esse sentimento de doce sofrimento não será alheio o facto de J. ser devoto da santidade hindu Mata Amritanandamayi, cujos ensinamentos encontram a base nos Vedas.

Mas não é por isso que existe o mínimo traço de world music em Elastic Days, o mais recente trabalho de J. Mascis. Na realidade, o imaginário a que nos remete não é muito distante do que o tema título nos evoca: uma praia perdida num longínquo verão de dias longos em que facilmente se poderia dar uma surfada ou uma skatada, como se o mundo todo fosse a década de 70 na Califórnia. Ou o Algarve, se quisermos ser mais portugueses.

Ao contrário da maioria dos seus discos a solo, em Elastic Days, J. não se limita ao formato acústico, surpreendendo muitas vezes com subtis e emocionantes solos de guitarra elétrica. Apesar da sua textura cativante e onde dá vontade ficar a morar, Elastic Days não deixa de ser um disco cheio de canções orelhudas e bem diferentes entre si. Tanto assim é que, See you at the movies, escolhida para single por J. Mascis, nem é das canções mais memoráveis do disco. Essa luta caberá provavelmente a Sky is all we had e ao tema título do disco.

Entre os convidados, a maioria repetentes do seu disco de 2014 Tied to a star, conta-se Pall Jenkins dos Black Heart Procession, banda que já esteve em digressão com J. e essa diferença faz-se sentir relativamente aos outros trabalhos de J.

 

Se anteriormente a carreira a solo de Mascis poderia parecer desligada do seu trabalho na banda, com o regresso de Lou Barlow aos Dinosaur Jr as coisas mudaram. Primeiro porque J. já não é o único a compor e depois porque, por isso, se perdeu parte do experimentalismo que habitou a discografia da segunda vida dos Dinosaur Jr. Nesta altura, a carreira a solo de J. Mascis parece mais uma continuação da vida anterior da sua banda do que uma carreira a solo e isso é fantástico, porque podemos gozar de dois Dinosaur Jr diferentes ao mesmo tempo.

Hugo Filipe Lopes escreve, umas vezes à paisana, outras sai do armário. Há dias em que é copy, noutros é autor e em alguns consegue ser ambas. Gosta mais de escrever sobre as coisas que adora ou então sobre assuntos dos quais nada sabe. Se não lhe pedirem para escrever, escreve na mesma no bloco preto que leva para todo o lado. Escreve porque não sabe desenhar e porque é sai mais barato do que fazer filmes ou tirar fotografias e também porque é mais fácil. Mas às vezes é a coisa mais difícil do mundo.

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