Satellites, de Márcio Vilela
Na confluência entre ciência, tecnologia, arte e poesia, a exposição Satellites, do fotógrafo brasileiro Márcio Vilela – com a curadoria de Adelaide Ginga – a decorrer no Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado até o dia 9 de junho de 2019, surge como uma janela para o céu estrelado, que tende a revelar um espaço interno, votado ao silêncio e à meditação.
Igualmente espetaculares e sóbrias, familiares e profundas, íntimas e universais, as imagens estáticas e em movimento do céu constelado transportam a grandiosidade vertiginosa do reino cósmico para um plano visível, mais próximo dos espectadores, dentro dos espaços confinados do museu.
A exposição tem três momentos. O seu início faz-se com trajetórias minimalistas desenhadas em papel preto. Este simples processo foi o que despoletou a imaginação e a ambição do artista na sua busca por novas formas e métodos de desenho, com o objetivo de traduzir, através de satélites não-geoestacionários, os movimentos da mão no espaço sideral, para logo capturar as linhas abstratas dos satélites e recorrendo a uma robusta tecnologia fotográfica. E assim fez. O segundo momento da exposição revela as imagens anamórficas ampliadas dos discos coloridos de luz e de gás, retirados dos satélites que orbitam a Terra. Por coincidência, estas imagens fizeram eco daquela que é, presumivelmente, a primeira imagem genuína de um buraco negro supermassivo numa galáxia remota (a 50 milhões de anos-luz de distância) que chegou à comunicação social dois dias antes da abertura da exposição. Esta imagem, captada pela rede do Event Horizon Telescope e que, segundo os especialistas, abre uma nova era da astrofísica, é notavelmente semelhante às imagens anamórficas de Vilela. Intituladas Cosmos, Atlas Centaur e Argos (2019), apresentam-se como “objetos” enigmáticos e imateriais, a uma distância de 2000 km. O terceiro momento consiste num vídeo HD de 32 minutos que revela as trajetórias dos satélites. A sequência de capturas apresenta várias perspetivas do mapa das estrelas com as suas redes interconectadas de linhas luminosas, possibilitando ao espetador reconhecer várias constelações nos planos fixos e, talvez, recordar algumas das narrativas e contos mitológicos a elas associadas. Subitamente, pontos de luz de origem humana surgem aqui e ali, num ritmo constante, que atravessam a direito o ecrã e desenhando as suas próprias “linhas” multidirecionais, entrecruzadas e efémeras. Estes fenómenos recordam a dimensão dos riscos e das invasões provocadas pelas tecnologias humanas, juntamente com a expansão das práticas artísticas ao longo de territórios e fronteiras, chegando até ao espaço mais distante. Por fim, algumas estrelas, ou velozes meteoros, provocam, como sempre, uma sensação de admiração e espanto.
Vilela convida os espetadores a contemplarem imagens de esplendor celestial, de certo não para mediar a nossa relação com a imensidão, mas sim – numa era ruidosa e vertiginosa – para concentrar a nossa visão e consciência nestas experiências simples, mas significativas, reavivando a nossa sede pela exploração interior e exterior.
Como Fridtjof Nansen escreveu: “Assim que nos relacionamos com o ‘céu estrelado’, ele torna-se o mais fiel amigo nesta vida; está sempre lá, dá sempre paz e constantemente nos recorda de que a nossa inquietude, as nossas dúvidas e os nossos desgostos são trivialidades passageiras. O Universo permanece e permanecerá inabalável. No fim de contas, as nossas opiniões, as nossas lutas e os nossos sofrimentos não são assim tão importantes nem únicos”[1].
[1] Citado por Erling Kagge, Silêncio na Era do Ruído, trad. Miguel de Castro Henriques, Quetzal Editores, 2017.