A sombra do desenho e/ou o desenho da sombra
O conceito de desenho, no imaginário coletivo, remete para uma ideia de representação gráfica e bidimensional sobre uma determinada superfície. Em Ser Sombra (Desenho), António Bolota apresenta desenhos constituídos por elementos tridimensionais ativados pela projeção de um feixe de luz. É proposto um diálogo entre obra e luz que resulta em sombra, determinada e específica para cada obra, que adquire um especial destaque ao tornar-se parte integrante da mesma e um elemento essencial à sua composição.
Neste contexto, o desenho é apresentado e desenvolvido através dos conceitos de matéria, luz e sombra, recorrentes na disciplina de arquitetura e concretizado através de materiais que também lhe pertencem, tais como a balsa e a k-line, utilizados por arquitetos na conceção de maquettes (modelos tridimensionais de estudo).
Tomando como referência o conceito de espaço expandido na escultura, sugerido por Rosalind Krauss, aqui o desenho também se desenvolve num campo expandido pois questiona e desafia a bidimensionalidade que lhe é inerente e evoca outros temas e disciplinas, induzindo o espectador num questionamento constante de estar perante um desenho, a subversão do mesmo, ou uma escultura.
As obras organizam-se no espaço de forma sequencial e aparentam, no seu conjunto, a ideia do exercício de repetição e diferença, remetendo para uma reflexão em torno do conceito de Gilles Deleuze que defende que “a repetição, nunca poderá ser do mesmo elemento pois o próprio ato de repetir introduz por si só a diferença”. É esta diferença que atrai e desperta no espectador a vontade de percorrer o espaço expositivo e compreender os diferentes momentos. Na primeira sala, os desenhos propostos são maioritariamente composições lineares de balsa pintada. O plano é introduzido em duas obras que pontuam o grupo e orientam o progresso da exposição: a primeira em posição central, através de uma linha que ganha a espessura de um plano, a outra através da presença de um triângulo amarelo, que nos remete para a descoberta do segundo momento. Neste núcleo o plano é explorado através exaltação da sua possível tridimensionalidade com o recurso à dobra e a uma paleta cromática de tons maioritariamente branco, cinza e preto. Na terceira sala são propostas composições dos elementos plano, linha e cor, num universo que oscila entre o construtivismo russo (associado às artes plásticas que recorre a elementos geométricos e cores primárias) e o movimento De Stijl (associado à arquitetura que tinha como princípio o recurso a formas geométricas abstratas e o recurso a cores primárias associadas à funcionalidade), ambos movimentos vanguardistas do séc. XX. A experiência expositiva termina com um espaço que permite a composição de pequenos elementos que recorrem a explorações plásticas e morfológicas enunciadas nas salas precedentes. É proposto um diálogo entre a linha, o plano, a matéria, a cor, a luz, e a sombra, em jeito de resumé dos momentos vivenciados anteriormente.
A sombra do desenho ou o desenho da sombra é um binómio alegórico constante e presente nesta exposição. Não existe uma verdade, existe espaço para a subjetividade que permite diferentes interpretações, que variam, certamente, de visitante para visitante. O campo expandido proposto no desenho permite propostas para lá da bidimensionalidade que lhe é preconcebida, possibilitando diferentes interpretações por parte do espectador, assim como infindáveis conexões a outros campos, para lá da arquitetura.
Ser Sombra (Desenho) é uma experiência proposta por António Bolota, comissariada por Nuno Faria, e está patente na Fundação Carmona e Costa até 18 de maio.