Geometrias I & II e outros objectos pictóricos 2009/2018, de Pires Vieira
Vale a pena ir para fora, distante dos centros urbanos, para ver as obras dos últimos dez anos de Pires Vieira na mostra individual Geometrias I & II e outros objectos pictóricos 2009/2018, no Museu da Guarda, numa coprodução com a Ocupart – Arte em Espaços Improváveis que irá ficar até maio.
Trata-se de uma exposição constituída por séries de diferentes pinturas, prática, aliás, presente na maior parte dos seus trabalhos. Reconhecido como um dos expoentes da pintura portuguesa contemporânea, Pires Vieira (n.1950) dispensa apresentações como artista plástico. Com obra sólida e maturada nas múltiplas linguagens utilizadas, com um léxico versátil de resultado surpreendente, o artista celebra em 2019 os 50 anos de carreira.
A partir dos anos 90, Pires Vieira abandona as questões da pintura para assumir uma outra linguagem num outro discurso, por vezes, em três dimensões, propondo, no fundo, a desconstrução da própria pintura.
A partir de 2000, o pintor encontra uma espécie de equilíbrio entre a componente analítica e programática. Convoca a história da arte com referência a nomes cimeiros de artistas internacionais, da pintura expressionista aos legados mais teóricos da arte concetual, passando pela herança da psicanálise (do movimento suport-surface com o qual se identifica nos primeiros anos).
Em 2002 o assunto da sua arte volta a ser a própria pintura, mas com as devidas transformações, enaltecendo a matéria tátil e cromática da composição e regressando às origens, como se se tratasse de um eterno retorno.
“As minhas séries são como uma galeria de retratos, aos quais poderá ser necessário voltar, para confirmar o que se havia identificado ou para lhe acrescentar o que antes parecia ter sido ignorado” – Pires Vieira
Geometrias II vem de uma sequência anterior formada por elementos semelhantes e que o tem caracterizado ultimamente. Isto é, nas suas composições existe formalmente uma conjunção contrastante entre o abstracionismo fortemente plástico e a inserção de traços espessos de cor negra de uma geometria acentuada que pontuam sob a natureza abstrata. A matriz paisagística é pintada em camadas dispostas em faixas horizontais, quebrando a continuidade da representação que resulta num jogo entre a qualidade do informal e da geometria.
Estamos perante dois discursos e atitudes diferentes: uma próxima da contemplativa, mais tranquila e flexível, menos rígida, imbuída de uma experiência plástica de cores vibrantes, num tempo mais subjetivo num apelo sensível de grande vitalidade, e outra mais reflexiva e inquietante, próxima do racional, abrindo espaço ao simbólico. Concilia assim dois mundos conflituantes, partindo do encantamento pictórico ao exercício concetual.
As linhas desenhadas que compõem as formas poliédricas, surgem marcadas por barras/riscos densos, incompletos, resultando um efeito perturbador, causado exatamente pelo facto da linha que percorre as telas se encontrar interrompida. As linhas que formam os polígonos abertos trazem inquietação.
Já nas obras de Geometrias I aparecem esses mesmos traços negros, mas num gesto contínuo, em peças dispostas em puzzle, com caixas de texto que fazem parte da composição, que desaparecem por completo na série mais recente, numa ingerência da palavra escrita à semelhança da série Who is afraid of, que funciona sobretudo pela carga visual que apresenta apesar de ser um elemento que faz mais parte do domínio da inteligibilidade do que da esfera do intuitivo.
Em síntese, Pires Vieira trabalha segundo um lema que é recorrente na sua obra em que uma imagem poderá esconder uma outra ao ponto de se ter apropriado dessa expressão para título de um grupo de trabalhos Une image peut en cacher une autre – visível na série de 2009, nos Polígonos irregulares sobre um tema de Monet. Neste conjunto o artista radicaliza o discurso ao ponto de os polígonos negros taparem e cobrirem por completo a composição abstrata, que se posicionam em plena centralidade e que correspondem exatamente ao olhar imediato do observador, como se esses volumes poliédricos escuros escondessem partes da pintura propriamente dita, num desejo de mobilizar e desafiar os códigos para novas leituras.