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Arno Brandlhuber: arquitetura como argumento

Arno Brandlhuber foi convidado pela Trienal de Arquitectura de Lisboa para participar na conferência de encerramento do 3º ciclo da série Critical Distance, que decorreu no dia 15 de março, no CCB. A série dedicou-se a dois possíveis cenários num contexto arquitetónico: o cenário real de um projeto construído enquanto parte de um contexto urbano e outro relacionado com uma investigação e subjugado a condições práticas mais extremas e inabituais. A sessão terminou com uma conversa com a arquiteta e cofundadora do estúdio Artéria – Humanizing Architecture, Lucinda Correia.

Conforme mencionado por Lucinda Correia, Arno Brandlhuber propõe um exercício arquitetónico de índole expansiva, que consiste em fazer projetos de arquitetura, ensinar, coordenar projetos de investigação e desenvolver projetos em colaboração com outros arquitetos e artistas, assumindo uma posição politicamente ativa e jamais colocando em causa a dimensão ética do arquiteto.

Joana Duarte e Joana Jordão – Como sugerido pelo “+” no nome do seu estúdio, o Arno assume diferentes práticas colaborativas – trabalha com outros arquitetos, artistas, escritores, cineastas, músicos, mas é também professor, investigador, teórico e ativista. O que é que estas diferentes colaborações acrescentam à sua prática como arquiteto?

Arno Brandlhuber – O nosso primeiro projeto nasceu tendo como tema a humanidade. Juntamente com dois colegas, chegámos à conclusão que a arquitetura deve talvez ser capaz de comunicar em maior escala o que está a acontecer à nossa volta, assumindo-se politicamente consciente, e não apenas como um objeto agradável à vista. Se refletirmos sobre os possíveis argumentos que a arquitetura poderia acrescentar, a questão torna-se muito mais complexa. Até àquele momento, já tínhamos trabalhado com músicos, escritores e fotógrafos, pois estes partilham mais ou menos as mesmas questões. Podem sempre tirar boas fotos, mas a vida acaba por exigir um discurso de maior alcance.

Quando me mudei para Berlim, em 2005-06, acabou por surgir outro tópico, após perceber o quão caros eram os novos edifícios. À época, o presidente da câmara Klaus Wowereit proferiu uma frase bastante célebre: “Berlim é pobre, mas é sexy”. Como é que poderíamos levar isso até à arquitetura? A questão central poderia, de alguma forma, ser abordada a partir dos próprios edifícios. Isso traduziu-se numa colaboração que envolveu cada vez mais pessoas, de áreas cada vez mais distintas.

JD JJ – Nesse sentido, como descreveria a sua prática arquitetónica?

AB – Na Alemanha não temos um verbo para arquitetura. Existe uma em português? A arquitetura está sempre relacionada à peça arquitetónica. Se a interpretar como architecting, ela ganha laivos de prática, de comportamento. Basicamente, nos nossos projetos, não queremos testar todos os tópicos em todos os projetos, mas deve sempre existir um argumento subjacente. E, se quisermos tornar este ponto verdadeiramente enfático, temos apenas de seguir a lógica desse mesmo argumento – o edifício parecerá uma possível solução para este argumento, mas talvez não uma solução para questões estéticas. Mas possui uma lógica interna e as pessoas podem interpretá-la.

JD JJ – Em relação aos vídeos que produziu com Christopher Roth, e tendo em conta que possui uma prática arquitetónica discursiva, que passa não só pela conceção e construção de edifícios, mas também por uma forte comunicação através de palestras, publicações, debates públicos e vídeo – qual é o seu objetivo ao utilizar estes meios? Recorre a eles como meio de educação pública?

AB – Comecei a fazer filmes com Christopher Roth porque a legislação é o tema cuja escrita é mais aborrecida. Ninguém lê sobre ela, mesmo no campo da arquitetura. Então, como poderíamos comunicar esse tema no campo da arquitetura, alcançando mais gente além dos próprios arquitetos? Assim, quando Alejandro Aravena nos convidou em 2016 para participar na Bienal de Veneza, produzimos o primeiro filme intitulado Legislating Architecture.

No final, descobrimos que tudo tem que ver com a propriedade do terreno. Há dez anos, havia imensos edifícios abandonados, o terreno era barato, mas depois ficou cada vez mais caro, levando-nos a refletir sobre a questão da propriedade. Property Drama foi um filme por nós exibido na Bienal de Arquitetura de Chicago, em 2017. Com ele, chegámos a um ponto nevrálgico, que está agora em discussão: arquitetos, políticos, ativistas começam a falar sobre ele. Property Drama foi publicitado em jornais, pode ser visto online e foi exibido em 400 escolas na Alemanha.

JD JJ – Crê que as leis, partindo do pressuposto de que não se encontram adaptadas ao nosso estilo de vida contemporâneo, são responsáveis ​​por alguma injustiça social, devido à imposição de um design de edifícios desatualizado?

AB – Nalguns dos nossos primeiros projetos, mergulhámos nesse dilema entre a possibilidade de viver ou trabalhar num edifício. Não sei se o mesmo acontece aqui em Portugal, mas na Alemanha esta questão é bastante restritiva: ou temos um edifício de habitação, não sujeito a IVA, etc., mas onde não podemos trabalhar ou encetar qualquer outra prática; ou temos um edifício de escritórios, normalmente com espaços enormes. Há algo em falta, até mesmo do ponto de vista da tipologia arquitetónica. Por isso, começámos a criar projetos que abordam esta questão. Não se trata apenas do edifício, mas de apontar algo, levar o argumento para uma discussão mais ampla em relação à utilização dos edifícios. Os tempos mudaram; as famílias já não são tão suficientes como eram nos tempos dos nossos pais.

JD JJ – Portanto, essa ideia de misturar várias utilizações partiu do arquiteto e não do cliente?

AB – Não, gostamos de trabalhar com habitação, mas depois fizemos aquilo que designamos por ateliers, dada a existência de uma lacuna na legislação alemã. Temos artistas que vivem e trabalham na mesma sala, então isso pode ser possível. Começámos em Colónia e temos vindo a dar seguimento a essa ideia. Existe também uma razão fiscal, pois, na Alemanha, se construirmos um edifício comercial, um estúdio por exemplo, o IVA é-nos reembolsado. Por isso, uma casa acaba por ser mais cara do que um estúdio, pois o IVA não é devolvido. Não deixa de ser estranho que a habitação seja considerada o fim do círculo de produção. No fundo, é a reprodução a falar sobre a produção. Foi esse o nosso ponto de partida para adentrarmos na legislação e considerá-la também parte do design. Em Berlim, mesmo que a lei não permita acrescentar um piso, podemos fazê-lo ao alugarmos esse novo piso para habitação social. É um truque bastante básico. Também acaba por suscitar um certo tipo de heterogeneidade, pois no mesmo edifício temos penthouses caras e habitação social. Nesse sentido, talvez a mudança na legislação esteja a influenciar o ambiente da construção, indo além do simples edifício singular. E este é um ponto particularmente importante.

JD JJ – De que forma acha que a arquitetura é moldada pela lei e como é que a legislação pode ser uma ferramenta e não um obstáculo para um processo de design arquitetónico? Poderia dar-nos alguns exemplos do seu trabalho onde esta investigação é visível?

AB – A Terrace House, por exemplo, nomeado para o prémio Mies – trata-se de um edifício onde queríamos forçar os utilizadores a uma heterogeneização, onde misturassem trabalho e habitação. Na tipologia está implícito a existência de uma mistura heterógena em relação às utilizações dadas à casa. Também julgamos que a heterogeneidade é positiva, a menos que coloquemos cercas nos terraços, criando assim uma pequena ilha homogénea. Neste sentido, fizemos um design onde as escapatórias vão sempre parar aos terraços, ou melhor, à esquerda ou à direita, para que não cerquemos o terraço inteiro, já que este possui duas escapatórias. Tem tudo que ver com a heterogeneidade e a forma como coabitamos. E é assim que este projeto é descrito, lido e debatido.

JD JJ – Então é da opinião que as leis devem ser repensadas tendo em conta o novo modo de vida contemporâneo.

AB – Sim, com certeza, claro! E as propriedades devem ser distribuídas. Os biliões podem ser propriedade de alguns, mas é muito melhor organizar a cidade ou o estado através do público, ou seja, nós, que poderíamos ser proprietários de terrenos e arrendatários a longo prazo, por exemplo. Não podemos criar mais terreno, certo? Então, se não podemos produzi-lo, por que razão este deve ser comercializável? Qualquer coisa que possamos produzir é comercializável, vegetais, etc. E precisamos de terreno para construir habitação e precisamos de habitação. É como o ar e a água.

 

Architecture as Argument foi a tese principal defendida por Arno Brandlhuber, uma sugestão que ultrapassa o campo da arquitetura hermética e tradicional, propondo-se a explorá-la enquanto meio para questionar e fazer a diferença na sociedade, de uma forma aberta e colaborativa.

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