Pauliana Valente Pimentel, A Vida é Feita de Likes
Há características comuns que atravessam o corpo de obra de Pauliana Valente Pimentel. A mise-en-scène, a composição cuidada. Esta noção de encenação e cenografia, é transversal a todos os seus trabalhos e é uma das características formais que a definem como artista.
Em A Vida é Feita de Likes, Pauliana virou a câmara para dentro, ou seja, para a sua própria família e círculo de amigos. A partir do seu Instagram (que utiliza desde 2011), a artista escolheu algumas fotografias que criam diferentes narrativas (segundo a própria) e que compõem um mapa crítico, mas ao mesmo tempo um olhar destemido sobre a massificação da imagem e nomeadamente das fotografias criadas pela pessoa comum.
Todos nós tiramos (sempre tirámos) inúmeras fotografias. Serve esse suporte como registo, por vezes saudosista, de um evento ou momento que por algum motivo consideramos especial. Há as fotografias-postal, as desfocadas, desenquadradas, agora as selfies e por aí fora. Mas todos, mesmo quem não tem grandes conhecimentos técnicos ou artísticos sobre fotografia e que poderá ter mais ou menos jeito, maior ou menor sentido estético, gostamos de fotografar. Ainda não se vislumbravam redes sociais e já nos anos 70 Susan Sontag escrevia: ”(…)pessoas com uma compulsão para fotografar, transformando a própria existência numa forma de visão”[1].
Com o início das redes sociais esta afirmação de Sontag assume uma pertinência assustadora: assistimos a uma espécie de falta de pudor em revelar momentos íntimos ou pessoas que nem sabem que têm a sua imagem online. Mas assistimos também a uma espécie de democratização do gosto fotográfico, em que as fotos passam por uns filtros standard que nos dão alguma confiança de que a fotografia vai ficar bonita. Assim, passamos a ter acesso a fotografias desfocadas ou desenquadradas e que há uns anos atrás nem seriam impressas ou iriam diretamente para o lixo.
Claro que nada disto acontece no Instagram da Pauliana Valente Pimentel. O que acontece é a magia das fotografias casuais terem as mesmas premissas do seu trabalho artístico. Já em Jovens de Atenas, Pauliana mostrava, com um olhar único e intimista, pessoas comuns transformadas pela sua encenação e pela sua objetiva. Pauliana retrata pessoas de forma magistral, porque não tem medo do contacto e da aproximação e provavelmente porque gosta de pessoas. É preciso gostar de pessoas para as mostrar como Pauliana as mostra, desde o início da sua carreira artística. Em A Vida é Feita de Likes, talvez tenha sido mais imediato e descomprometido fotografar, ao longo dos anos, os amigos, familiares, viagens ou pessoas que fizeram parte de outros trabalhos e exposições, mas que aqui aparecem de forma mais despojada. Aqui são ainda mais gritantes as suas afinidades com Nan Goldin, a forma como Pauliana imprime um poder aurático nas fotografias “caseiras”, conseguindo o que Susan Sontag descreveu como o pathos da beleza: “Na pior das hipóteses, o real tem um pathos. Esse pathos é a beleza”[2]. Nesta exposição, as fotografias têm esse pathos e acima de tudo têm pudor. Mesmo quando vemos momentos íntimos, há um sentido de dignidade e respeito pelo retratado e por si própria que só torna A Vida Feita de Likes num ato ainda mais generoso. Ao mesmo tempo, neste conjunto de obras, a artista dá-nos a oportunidade de olharmos a sua intimidade e o seu quotidiano e expõe-se da mesma forma que as personagens que costuma fotografar profissionalmente se expõem ao seu olhar primeiro e ao nosso em seguida. De certa forma é como se Pauliana dissesse: aqui me têm. A pessoa e a fotógrafa são uma entidade única e há um pensar artístico que é indissociável do pensar interior quotidiano.
[1] Sontag, Susan, Ensaios sobre a Fotografia. Lisboa: Quetzal, 2012, p.32
[2] Sontag, Susan, Ensaios sobre a Fotografia. Lisboa: Quetzal, 2012, p.104