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Gerry Bibby, Public

Em Public, o australiano Gerry Bibby vira a arte para a rua. Todo o espaço Lumiar Cité da Maumaus é, de alguma forma, virado do avesso e toda a exposição se faz para o exterior, aproveitando as paredes envidraçadas da galeria.

Sendo que o próprio espaço parece ter sido descascado para nos mostrar o seu processo construtivo – o tijolo, o cimento, as canalizações, as vigas à vista –, Jürgen Bock (diretor artístico) acolhe novamente um artista que faz todo o sentido naquele espaço.

Gerry Bibby vive em Berlim e trabalha sobretudo no domínio da escultura, que cruza com uma visão muito própria da arquitetura, com performances e textos (que incluem até a edição de um livro de ficção), construindo instalações que muitas vezes, e é o caso de Public, levantam questões sobre a vivência do espaço, nomeadamente sobre o que é público e privado.

É assim que a Lumiar Cité se abre ao exterior, dispondo as obras de Bibby de forma a serem vistas através das paredes envidraçadas, do lado de fora, em ambas as ruas onde se situa. Podíamos até não entrar e veríamos as obras na mesma. Mas Bibby não quer isso e oferece-nos uma fruição diferente das obras quando entramos, nomeadamente no piso superior.

Aqui, duas peças da série Park Life (2004 – em curso) adaptam bancos de jardim para que nos possamos sentar a observar o exterior. Estes bancos trazem consigo a memória de uma implantação passada, pois parecem ter sido arrancados, e trazem ainda no betão conchas incrustadas, reminiscências de um qualquer litoral. Em toda a fachada que dá para a Alameda da Música (onde só o piso superior tem fachada), seis placas de aquecimento brancas compõem a obra Hot Spots (2018). Estas placas são vistas do exterior (são iguais de um lado e de outro), mas produzem calor. Este calor só é usufruído por quem estiver dentro da galeria. Ou seja, a obra abre-se ao exterior (e os bancos de jardim comprovam essa intenção), mas mantém para o interior as características de conforto do interior. Na fachada que dá para a Rua Tomás del Negro, 1.2.3 (2018) repete o dispositivo, mas o impacto no visitante não é o mesmo, já que não nos podemos aproximar tanto das placas para sentir o confortável calor. Bibby cria, assim, uma duplicidade: do lado de fora vemos as placas, o interior da galeria e o seus visitantes que, por sua vez, usufruem do calor emanado pelas placas, e podem observar também as pessoas do lado de fora. É um pouco como em Janela Indiscreta de Alfred Hitchcock: nem sempre o que vemos da e para a janela, corresponde à verdade do que efetivamente observamos.

Junto à entrada, que se assume, assim, como montra, temos a obra Public (2018) que dá o título à exposição e que, novamente, nos remete para o interior, ainda que esteja virada para o exterior. Neste caso, uma fila de mobiliário de interior e de eletrodomésticos empilhados e embalados, envolvida ainda com uma rede de malha apertada, remete-nos para um momento de não-vivência do espaço interior e dos seus equipamentos, ou seja, os momentos de mudança. A rede apenas permite vislumbrar os objetos contidos, obrigando-nos a estar algum tempo a contemplá-los para os conseguirmos distinguir.

Public resulta de uma residência artística de Gerry Bibby no âmbito do Programa Internacional de Residências Artísticas da Maumaus e traduz uma política artística (e Gerry Bibby tem sido politicamente ativo) que se pauta pelo conceptualismo e por não ceder a consumos fáceis. Public vê-se e pensa-se durante algo tempo e só depois se entranha. Obriga o visitante a um trabalho de introspeção para fruição tardia e até certo ponto remota.

Com uma carreira em produção de cinema com mais de 10 anos, Bárbara Valentina tem trabalhado como produtora executiva, produzindo e desenvolvendo vários documentários e filmes de ficção para diversas produtoras entre as quais David & Golias, Terratreme e Leopardo Filmes. Atualmente ocupa o cargo de coordenação de pós-produção na Walla Collective e colabora como diretora de produção e responsável pelo desenvolvimento de projectos na David & Golias, entre outros. É igualmente professora na ETIC, no curso de Cinema e Televisão do HND – Higher National Diploma. Começou a escrever artigos para diferentes revistas em 2002. Escreveu para a revista Media XXI e em 2003 começou a sua colaboração com a revista Umbigo. Além desta, escreveu também para a Time Out Lisboa e é crítica de arte na ArteCapital. Em 2010 terminou a pós-graduação em História da Arte.

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