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Organic Machinery, de Diogo Evangelista

Diogo Evangelista trabalha no domínio da instalação, utilizando o vídeo ou a escultura, mas partindo sempre de uma base pictórica. Em Organic Machinery, podemos ver os desenhos, embora neste caso tenha sido o vídeo com o mesmo título a originar o conjunto de obras expostas na Galeria Francisco Fino. Para além desta obra, podemos ver ainda, cinco esculturas em inox, uma delas incorpora uma coluna que debita som, e cerca de 15 desenhos, para além de um vinil laranja que tapa a janela da galeria e muda a tonalidade do seu interior criando, com as esculturas, um ambiente de submersão.

Evangelista usa normalmente imagens de arquivo que vai alterando para construir os seus vídeos. Aqui podemos ver uma espécie de quarto-cápsula como os hotéis-cabine japoneses que vemos em Lost in Translation a que a narradora do filme chama de crio bed. São, aliás, várias as referências cinematográficas e literárias de género que descortinamos neste vídeo, para além do já mencionado filme de Sofia Coppola, o 2001 Odisseia no Espaço de Stanley Kubrick ou ainda o romance 1984 de George Orwell, com o seu discurso antipersecutório e apelo à resistência a uma entidade política controladora e terrivelmente burocratizada. Conseguimos ainda sentir no tom e nas imagens coloridas algo do Blade Runner de Ridley Scott (filme baseado em Do Android Dream of Electric Sheep de Philip K. Dick, um clássico literário do género).

Não serve esta referenciação para esconder Organic Machinery por baixo de uma teia de menções intimidantes, serve antes para que o seu visionamento tenha um referencial maior entre um género, por vezes desconsiderado, que é o universo de ficção científica, nomeadamente através dos seus clássicos de referência. Assim, entendemos que a obra distópica de Diogo Evangelista tem um propósito maior, que é o de trazer para os dias de hoje as questões que nos anos 60, 70 e 80 se levantavam, nesses clássicos, sobre a sociedade e os avanços tecnológicos. É ainda mais pertinente que essas questões sejam levantadas por um jovem nascido em 1985.

De uma das esculturas metálicas Single Breeders, uma coluna debita em loop um canto de ave. De outra, as extremidades contêm pequenos espelhos redondos que devolvem a nossa imagem. Ambas as obras fazem a ponte entre a máquina e o humano ou a natureza. Quando olhamos esse Single Breeders e nos olhamos no espelho, somos também uma parte daquela máquina, daqueles tubos metálicos, da mesma forma que quando ouvimos o canto dos pássaros a sair da coluna incorporada noutro Single Breeder, é a máquina que canta. Tornam-se assim, objetos biomecânicos. Da mesma forma, quando Evangelista manipula a qualidade da luz natural que entra na galeria, está a operar uma transformação mecânica na natureza que vai, por sua vez, operar uma transformação no ambiente onde podemos ver as suas obras.

O fascínio pela máquina que nos vem desde a Revolução Industrial, tem o seu expoente na biomecânica que tem sido utilizada em diversos movimentos artísticos ou por diferentes artistas, desde os construtivistas, nomeadamente por Vsevolod Meyerhold que a utilizou no teatro até Jackson Pollock se pensarmos que as suas action painting mais não são do que a vontade de que instrumento (pincel) e artista sejam uma única entidade. Assim, Organic Machinery é em todo o momento uma apropriação de algo orgânico e pertença da natureza, em algo mecânico manipulado pelo Homem (neste caso, pelo próprio artista) bem ancorado em referências históricas e artísticas.

Com uma carreira em produção de cinema com mais de 10 anos, Bárbara Valentina tem trabalhado como produtora executiva, produzindo e desenvolvendo vários documentários e filmes de ficção para diversas produtoras entre as quais David & Golias, Terratreme e Leopardo Filmes. Atualmente ocupa o cargo de coordenação de pós-produção na Walla Collective e colabora como diretora de produção e responsável pelo desenvolvimento de projectos na David & Golias, entre outros. É igualmente professora na ETIC, no curso de Cinema e Televisão do HND – Higher National Diploma. Começou a escrever artigos para diferentes revistas em 2002. Escreveu para a revista Media XXI e em 2003 começou a sua colaboração com a revista Umbigo. Além desta, escreveu também para a Time Out Lisboa e é crítica de arte na ArteCapital. Em 2010 terminou a pós-graduação em História da Arte.

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