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Maja Osojnik

Uma Arquitetura de Composição

No MADEIRADiG, uma voz intensa e mãos macias e delicadas manipulam os instrumentos como se estivéssemos perante uma peça de dança contemporânea. O concerto de Maja Osojnik é daqueles que ficam na nossa memória dias depois da atuação. Let Them Grow, o seu álbum mais recente, continua a ressoar como intensos relâmpagos no prato do gira-discos. Surge da falha, da tentativa-erro, do aproveitamento de trabalhos que nunca foram mostrados ou daqueles que foram recusados e que agora ganham uma nova vida bastante intimista.

Maja nasceu na Eslovénia, vive em Viena de Áustria e o seu trabalho não se coloca numa “gaveta” identificadora de um género ou estilo, situa-se sim nos domínios da sound art. A poesia e a literatura entram em osmose com uma voz determinada que combina sons instrumentais com dispositivos lo-fi, entre eles fitas magnéticas ou brinquedos.

Enquanto compositora, Maja criou música e compôs para vários projetos nas áreas do teatro, dança, filmes de animação e filmes mudos, tendo recentemente criado uma nova editora intitulada Mamka Records. Mamka significa avó em esloveno e a ideia não é a de cozinhar bolos caseiros mas sim cozinhar pequenas edições, de autor e impressas à mão. O objetivo é trabalhar com música e literatura experimental e tenho nas minhas mãos uma das 100 cópias da primeira edição: Chicken (MAM01) composta por dois temas* e por um trabalho sobre linóleo do artista Toño Camuñas.

© Rania Moslam

Na Casa das Mudas assistimos a um concerto único e intenso, em que as palavras que acompanharam a música se revelaram bastante fortes. Como constróis essa força poética?

É a vida, a observação dos processos internos. É a forma como eu compreendo o mundo, como observo as coisas que se desenrolam à minha volta e como sinto aquilo que me afeta. Está sempre ligada com relacionamentos internos, seja em parceria, amizade ou família. O círculo cresce cada vez mais até alcançar a sociedade e a política. Não posso separar estas coisas e gosto de brincar com estas metáforas.

As tuas letras revelam bastantes contradições; contradições essas que dizem respeito à vida ou às pessoas em geral. Encaras o mundo como uma grande contradição? E, no final da tua última música, dizes: até um ponto sem retorno. Uma frase que nos provoca uma reflexão.

Sim, porque tudo o que fazemos tem alguma espécie de consequência e não quero ser negativa em relação a isso. Obviamente, também pode ser uma bela consequência. Mas, como em tudo, somos levados até um determinado ponto e depois regressamos. Independentemente do que façamos, a experiência leva-nos até um lugar diferente. Portanto, a frase pode ser encarada como algo bastante duro e negativo, mas também pode ser vista como uma forma de deitar as coisas para trás das costas e seguir em frente, façamos o que fizermos. Foi isto que quis afirmar, brinco com essa metáfora: será positiva ou negativa? É sempre uma questão de perspetiva e gosto de mergulhar nesse jogo.

Também notei que és bastante delicada no palco, na forma como manipulas todos os instrumentos de forma bastante inteligente. Como planeias as tuas atuações? Parece que gostas de gerir tudo ao mesmo tempo.

Sim, gosto do caos, gosto de trabalhar com as mãos, como se houvesse um momento de reflexão. Há 15 anos, quis fazer algo com um computador portátil e experimentei-o durante um, dois concertos e então percebi que não é o meu meio de expressão, já que fico a olhar para a ecrã como se estivesse a ver TV, sem fazer música verdadeiramente. Na verdade faz-me afastar do meu verdadeiro som.

© Andreas Kral

A tua inspiração vem dos livros, da música, da vida…

Sim, creio que a inspiração vem de todos esses lugares, da vida quotidiana, daquilo que vemos nas ruas, de qualquer interação que temos com as pessoas, uma boa conversa com um amigo ou uma fantástica peça de teatro, onde uma frase nos fica gravada. Especialmente aquelas frases que ficam presas dentro do nosso sistema e que nos levam a pensar nelas reiteradamente. Da última vez que estive num teatro, havia uma frase sobre como temos uma dívida para com um tempo e como o tempo tem uma dívida para connosco. Tentamos organizar e manter a vida ordenada, mas a frase tem um fundo de verdade. O tempo tem uma dívida para connosco, nós não temos uma dívida para com o tempo, e então questiono-me sobre o porquê de pensar neste assunto. Para logo chegar à conclusão que é o meu tema de interesse nesse momento específico e que, portanto, devo aproveitá-lo.

Abranges vários géneros como o jazz, a improvisação eletrónica e até a música medieval. Como é que o teu processo te permite misturar todos eles?

Durante toda a minha vida, nunca quis pensar em géneros. Sentia dificuldade quando as pessoas me perguntavam que tipo de música tocava e, para mim, era sempre difícil descrevê-la. Tenho alguns projetos onde brincamos e tentamos encontrar os nossos próprios géneros, não com o objetivo de comercializar o que fazemos, mas apenas com o intuito de nos divertimos. Há pouco tempos fizemos uma peça de rádio, a qual apelidámos de novo áudio western som cómico diverso. E queremos sempre descobrir frases tão longas que as pessoas passem a não conseguir repeti-las, o que me faz regressar à forma como encaro a música. Acho que fui sempre muito curiosa em relação às várias vertentes da música, e acredito que as diferentes estéticas que surgem no final partilham da mesma essência. Portanto, podes ouvir música antiga, música contemporânea ou apenas noise, e tudo acaba por partilhar a mesma essência. É a força de trabalhar o material e o poder da narração, diria. O que faço agora é o resultado do meu caminho até ao ponto de não retorno. É o que gosto de ouvir e o que tocou a minha alma e a beleza dela. Se pensares do ponto de vista analítico, e de como as composições são estruturadas ou construídas, existem muitas semelhanças. Por exemplo, a forma como alguma música antiga foi composta assemelha-se a uma arquitetura de composição. As pessoas às vezes perguntam-me: “mas como é que tocas em festivais de jazz?”. E eu digo sempre: na maioria das vezes, sou convidada para o palco dos “esquisitos”. Mas, para mim, o jazz é na verdade apenas uma questão de forma. É o tipo de resposta que costumo dar, porque o estilo tem vindo a mudar desde os anos 30 até agora. Então, qual será no fundo a essência de toda a sua história?

O jazz tem tudo que ver com improvisação.

Sim, e com o questionar a forma, exatamente.

*Chicken no lado A (letra de Maja Osojnik & Natascha Gangl e música de Rdeča Raketa, o duo musical de Maja com Matija Schellander) e no lado B Die Toten com letra de Natascha Gangl e música de Rdeča Raketa.

Começou no jornalismo e ao longo dos anos tem feito vários cursos de arte contemporânea, entre os quais Temas da História da Arte do Século XX (Fundação Serralves), workshop de Curadoria na Faculdade de Belas Artes de Lisboa, Estética (Ar.Co) e História da Fotografia na mesma Instituição e uma Pós-Graduação em Curadoria na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. É membro fundador e diretora da revista Umbigo, criada em 2002, com a qual desenvolveu vários projetos curatoriais, entre eles a exposição Entre Limite e a Audácia de Miguel Palma na galeria Fábulas, The Difference de Andrea Splisgar no Palácio de Santa Catarina, a exposição Pieces and Parts na Plataforma Revólver, Lisboa, Pierre Barbrel – Dissociation no Espaço Camões da Sá da Costa, Robe de contact (lys) do artista Jean François-Krebs na Galeria Sá da Costa. Em 2023 fez a curadoria das exposições Unwinding de Theodore Ereira-Guyer e Sam Llewellyn-Jones na Galeria Sá da Costa e A Face is a Mask... de Pedro Valdez Cardoso na Brotéria. Foi júri e curadora da Exposição de Joalharia Contemporânea On the Other Hand, comemorativa do 5º aniversário da PIN (Associação Portuguesa de Joalharia Contemporânea), na Galeria Reverso (Lisboa), Galeria Adorna Corações (Porto) e no Simpósio Gray Area na Galeria Medellein (Cidade do México). Em 2018 foi júri do prémio ENSA Arte em Luanda. Também para a revista Umbigo coordenou a edição do livro Coordenadas do Corpo na Arte Contemporânea, uma coleção que reúne um ensaio de Bárbara Coutinho e diversos trabalhos artísticos, muitos deles desenvolvidos propositadamente para o livro, num conjunto de trabalhos que representam uma pequena amostra das preocupações filosóficas e estéticas de um grupo de artistas. Em 2018 juntamente com António Néu (diretor de arte da revista Umbigo) criou a Plataforma UmbigoLAB, uma rede de networking para artistas que promove a sinergia entre estes e os agentes do meio (curadores, diretores de museus, galeristas, colecionadores e instituições).

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