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Em torno da escultura: Pose e Variações. No tempo de Rodin e seus contemporâneos

Com curadoria de Luísa Sampaio e Rune Frederiksen, a exposição de escultura na galeria principal do Museu da Fundação Calouste Gulbenkian é atualmente a mostra mais importante desta instituição. A não perder, até ao mês de fevereiro.

Com base nas semelhanças entre as duas coleções, o evento resulta de uma parceria entre colecionadores contemporâneos – Calouste Gulbenkian e Carl Jacobsen, da Ny Carlsberg Glyptotek, para onde viajará, aliás, Pose e Variações. A mostra reúne peças de escultura francesa do Século XIX com Rodin, Carpeaux, Dalou, Dubois, Puech, Houdon, Joseph Bernard e Maillol e está ainda integrada na época natalícia em que atravessamos por conter valores inerentes ao ser humano: o amor, a ternura, a maternidade e a família, num ambiente propício ao recolhimento num clima de tranquilidade.

São trinta as esculturas de género figurativo, distribuídas em cinco núcleos com temas-chave, consoante a variação de posturas dos corpos: a ausência de pose; a figura acocorada; maternidade; figuras entrelaçadas; e a de pé. A maioria é de reduzida escala, concebidas de diversos materiais, do gesso patinado, à terracota, mármore e ao bronze.

Um dos pontos a reter é a criação de uma penumbra que envolve as peças, uma atmosfera acolhedora e silenciosa, como se fossem jóias e pedras preciosas, onde o foco de luz está intensamente dirigido a elas, convidando o olhar do visitante a mergulhar numa perfeição sublime, quase eterna e intemporal. Os corpos falam e dançam connosco e os olhares comunicam-se entre si numa espécie de cumplicidade, sobretudo nos grupos onde uma dança os envolve, num ballet estonteante.

 

“Com Rodin a escultura inicia uma ruptura na aventura da modernidade.”

 

No interior da sala, o ambiente criado remete para a projeção de sombras das obras refletida nas paredes bem como no exterior através da transparência do vidro das amplas janelas, onde as peças se estendem pelo jardim como se ficassem por momentos plantadas virtualmente. A eficácia deste processo é total porque precisamente os dias são mais curtos nesta época do ano.

As peças de pequeno porte, fechadas em vitrinas, onde podemos observá-las de perto, são as mais delicadas concebidas em gesso patinado, entre as quais se destacam a escultura Flora, peça de invulgar qualidade, servindo um gosto barroco dentro de preceitos académicos oitocentistas ou o Cupido Ferido, ambas de Carpeaux. Flora é inspirada em dois modelos antigos: a Vénus na toilette e emergindo das ondas. É precisamente a sua tridimensionalidade que a torna inovadora, porque permite ao espetador observá-la em diferentes ângulos. Este núcleo visa representar as atividades do quotidiano através da figura feminina, sendo conhecidas inúmeras versões clássicas, em particular a deusa Vénus. Em muitos casos, os modelos parecem ter sido apanhados desprevenidos, cobrindo as áreas mais sensíveis do corpo.

A partir deste conjunto, verifica-se que existem peças que possuem a representação do mesmo modelo, desenvolvidas num ajuste da posição, executadas em vários materiais com diferentes versões e/ou de alteração de escala; resultando noutras composições, evidenciando as suas qualidades intrínsecas do respetivo material. A Rapariga com Bilha, de Joseph Bernard, é uma das peças sóbrias que fecha a exposição, um dos raros exemplos do núcleo da (figura de pé) no feminino.

Nos grupos escultóricos observa-se uma especial sensualidade no estudo rigoroso da junção dos corpos, onde as figuras surgem entrelaçadas, tais como A Eterna Primavera, de Rodin, uma construção abstratizante em torno de uma massa compacta, oferecendo expressões ousadas de valores marcadamente modernos para a época.

De facto, as esculturas de Rodin, nome central da exposição e figura tutelar dos artistas do seu tempo, exerceram um grande fascínio junto dos seus contemporâneos. As suas peças são únicas do ponto de vista formal, num estilo individual, com métodos de trabalho muito próprios. Com Rodin a escultura opera uma rutura na aventura da modernidade, poética do instante na captação de um gesto efémero num entendimento da obra de arte. Os seus modelos não posavam estaticamente para o artista onde o movimento surge sem qualquer constrangimento. Rodin refletindo sobre o seu fazer, dizia que o escultor é aquele que figura a passagem de uma pose para outra.

Manuela Synek é colaboradora da revista Umbigo há mais de dez anos. À medida que os anos vão passando, identifica-se cada vez mais com este projeto consistente, em constante mudança, inovador, arrojado e coerente na sua linha editorial. É Historiadora e Crítica de Arte. Diplomada pelo Instituto Superior de Carreiras Artísticas de Paris em Crítica de Arte e Estética. Licenciada em Estética pela Universidade de Paris I - Panthéon – Sorbonne. Possui o "Curso de Pós-Graduação em História da Arte, vertente Arte Contemporânea", pela Universidade Nova de Lisboa. É autora de livros sobre autores na área das Artes Plásticas. Tem participado em Colóquios como Conferencista ligados ao Património Artístico; Pintura; Escultura e Desenho em Universidades; Escolas Superiores e Autarquias. Ultimamente especializou-se na temática da Arte Pública e Espaço Urbano, com a análise dos trabalhos artísticos onde tem feito Comunicações. Escreve para a revista Umbigo sobre a obra de artistas na área das artes visuais que figuram no campo expositivo fazendo também a divulgação de valores emergentes portugueses com novos suportes desde a instalação, à fotografia e ao vídeo, onde o corpo surge nas suas variadas vertentes, levantando questões pertinentes.

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