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André Príncipe evoca o “elefante na sala”

Se passar pelo MAAT, não deixe de visitar até final do ano a curiosa exposição Elefante de André Príncipe, na sala cinzeiro 8, na Central Tejo, sendo a primeira individual sob a curadoria de João Pinharanda e Ana Anacleto. Nela, poderá observar um conjunto de trabalhos fotográficos dispersos, com algumas obras inéditas e uma instalação de vídeo concebida para esta ocasião.

Resultante de uma obra encetada há cerca de cinco anos, o universo deste autor paira num constante balancear entre um ambiente real e imaginário, dando, contudo, uma maior relevância ao lado ficcional como a construção de uma abertura a um mundo inspirador. Segundo o artista, “o primeiro momento é um desejo de ficção. A minha grande pulsão é ficcional, no sentido de exprimir algo e de organizar o mundo”. Ou seja, explora uma série de temas e preocupações que tem acompanhado o seu percurso numa relação de forças-tensões e dicotomias de índole aparentemente contraditória: vida/morte, espaço/ tempo, permanência/efemeridade, peso/leveza e ascensão/queda.

O seu trabalho consiste numa ideia de investigação em torno de soluções do meio fotográfico enquanto mecanismo de perceção e apreensão onde raramente se trata de uma narrativa concreta. Utiliza um processo semelhante ao da linguagem do cinema, que é uma constante da sua linha de trabalho, sendo uma característica da sua obra.

A. Príncipe veio da literatura e só depois apareceu o cinema. Tem um interesse particular pela tradição das disciplinas visuais, relacionando a fotografia com outras áreas artísticas, onde a pintura assume um especial destaque. O autor lembra que, “ao voltar ao Prado, percebi que as minhas fotografias tinham muito de pintura, algo contra o qual eu lutava no princípio”.

“A fotografia é entrar e sair do tempo” (A. Príncipe)

Tecnicamente, a fotografia necessita de uma certa disciplina diária para esse lado fluir, mas a partir de um determinado momento deixou de se preocupar em resolver tudo dentro de cada imagem; passou a interessar-se pela ideia do fora de campo: o espaço que o autor cria mentalmente no espetador através da associação de imagens, resolvendo pô-las por isso, as coisas lado a lado. É por esta razão que a sua prática artística incide sobre a sequência de imagens, e não só a imagem em si. A fotografia é um dos suportes privilegiados que funciona sobretudo como um documento de arquivo fotográfico com um significado específico. As suas fotografias oscilam entre interiores e exteriores, tomando como assuntos objetos, corpos de pessoas, animais, lugares/sítios indefinidos ou ligados à atmosfera e técnicas de luz que regista nas suas longas viagens percorridas em diferentes Países e Regiões.

Tem um gosto particular pelos animais, possuindo estes uma outra forma de inteligência, próxima do mundo da natureza no universo. Existe uma relação estreita entre a fotografia e a viagem. “Viajar sempre foi sinónimo de perder-me e de descobrir-me: descobrir-me no mundo” e “descobrir o mundo e descobrir-me no mundo era uma e a mesma coisa. Ver tudo e sentir as coisas como se fosse pela primeira vez. E a viagem faz esse exercício, traz e leva essa passagem; muda-nos todo o tempo. Desse ponto de vista, a viagem como motivação principal é uma atividade estritamente análoga à da fotografia. Como explica o autor: “A fotografia é sobre a vida e morte. Tudo significa vida e morte, mas no campo da fotografia isto está muito extremado”. “Eu fotografo-te a ti, aqui, agora — e acabou-se, já foi”. Fixa o efémero e o instável, mas, por outro lado fixa a duração do tempo. Trabalha sobre essa fragilidade de nós sermos apenas humanos.

Elefante, o título da mostra, levanta precisamente a questão da morte através da carga do ausente. “Da primeira vez que fui ao espaço, pensei que era uma sala”; daí a morte ter surgido com a expressão “elefante na sala”. Facto que nos incomoda, que está sempre presente e com o qual na sociedade ocidental, nunca saberemos lidar nem estamos preparados para esse confronto, por mais esforço que façamos, numa tentativa de a rejeitar. “Queria que a exposição fosse sobre uma coisa que ocupa o espaço todo, mas de que ninguém quer falar. É também um desafio ao espetador para chegar por si próprio ao sentido que dei às fotografias”. O elefante simboliza o conhecimento, o suporte do mundo, o começo e o fim. É a imagem viva do peso bruto, de estabilidade e imutabilidade.

André Príncipe (n. Porto, 1976) vive e trabalha em Lisboa. Estudou Psicologia na Universidade do Porto e graduou-se pela Escola de Cinema de Lisboa em 2001. Divide-se entre a atividade de fotógrafo, editor de fotografia e cineasta. Expõe desde 2004, dirigiu curtas e longas-metragens; é fundador e co-editor da editora de livros Pierre von Kleist.

Manuela Synek é colaboradora da revista Umbigo há mais de dez anos. À medida que os anos vão passando, identifica-se cada vez mais com este projeto consistente, em constante mudança, inovador, arrojado e coerente na sua linha editorial. É Historiadora e Crítica de Arte. Diplomada pelo Instituto Superior de Carreiras Artísticas de Paris em Crítica de Arte e Estética. Licenciada em Estética pela Universidade de Paris I - Panthéon – Sorbonne. Possui o "Curso de Pós-Graduação em História da Arte, vertente Arte Contemporânea", pela Universidade Nova de Lisboa. É autora de livros sobre autores na área das Artes Plásticas. Tem participado em Colóquios como Conferencista ligados ao Património Artístico; Pintura; Escultura e Desenho em Universidades; Escolas Superiores e Autarquias. Ultimamente especializou-se na temática da Arte Pública e Espaço Urbano, com a análise dos trabalhos artísticos onde tem feito Comunicações. Escreve para a revista Umbigo sobre a obra de artistas na área das artes visuais que figuram no campo expositivo fazendo também a divulgação de valores emergentes portugueses com novos suportes desde a instalação, à fotografia e ao vídeo, onde o corpo surge nas suas variadas vertentes, levantando questões pertinentes.

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