Amour (2012), de Michael Haneke
Michael Haneke é, na minha opinião, um dos melhores cineastas contemporâneos. Não escolhe caminhos fáceis. Assumidamente provocador, explora temáticas a contracorrente, não hesitando em expor os comportamentos de uma sociedade alienada, de uma forma brutal, sem qualquer tipo de contemplações. O realizador austríaco retrata realidades complexas, desconstruindo, exemplarmente, as incoerências de um estado civilizacional que está longe de ser perfeito.
É impossível ficar indiferente a obras como Funny Games (1997) The White Ribbon (2001) e La pianiste (2009).
Vencedor da Palma de Ouro de Cannes em 2012, Amour é um filme arrebatador, de uma tristeza e angústia infinitas. Porém, talvez a história de amor mais bonita que tive o privilégio de assistir no mundo “imaginário” do Cinema. Imaginário, entre aspas, porque a ficção confunde-se com a realidade. Esta é uma ideia recorrente nos meus textos porque reflete a minha visão sobre a sétima arte, e Haneke fá-lo de uma forma exímia.
Como o próprio afirma: “I try to get closer to reality, to get close to the contradictions. The cinema world can be a real world rather than a dream world.”
Georges (Jean-Louis Trintignante), confrontado com a doença da sua mulher, Anne (Emmanuelle Riva) fecha-se no espaço só deles, repleto de memórias, interdito aos outros. A imagem de Anne desvaneceu-se… resta-lhe revisitar o passado numa tentativa vã de apaziguar um sofrimento que irrompe, não havendo lugar à resignação…é nesse passado que Georges recorda Anne, na sala, sentada ao piano, a tocar a belíssima composição Impromptu, Op. 90 D899 No. 3 de Franz Schubert.
Haneke mostra apenas fragmentos das vidas deste casal de velhos, mas bastam alguns minutos para perceber o amor profundo, inegável mesmo à luz do crivo dos mais cínicos. Numa das cenas iniciais, a objectiva capta o início de um concerto, protagonizado por Anne, cujas primeiras notas fazem adivinhar a peça de Schubert, sob o olhar contemplativo de Georges.
A narrativa desenrola-se a um ritmo lento. Os silêncios são cortantes. Assistimos a uma caminhada para o declínio, em que a solidão é a única “companhia”.
Haneke filma cada pormenor com uma crueza assustadora. O envelhecimento que dita a decadência do ser humano; o regresso (imposto) à infância, em que todos precisamos que cuidem de nós. E aqui cuidam…
O olhar de Haneke sobre a velhice é denunciador dos efeitos perversos do tempo. No entanto, a sua abordagem vai muito mais além. Confronta o espectador com situações limite. Revela como o envelhecimento aniquila o Homem, demonstrando que o ciclo natural da vida, romantizado por muitos, nada tem de belo. Arrasa com todos os clichés, repetidos até à exaustão, sobre premissas instituídas inerentes e este estádio, como a sapiência e experiência que daí advêm. Haverá alguma réstia de dignidade na velhice?
As interpretações de Jean-Louis Trintignante e Emmanuelle Riva são assombrosas.
Amour é a representação da efemeridade da vida num confronto com um sofrimento manifesto, em nada sublimado. A preservação da memória como forma de sobrevivência.
Amour e o limiar do desespero…