Quel Amour!?
Quel Amour!? É a pergunta que se impõe nos nossos dias de forma premente. Nesta exposição as respostas são múltiplas e, em muitos casos, mais do que tentar responder, levanta e aprofunda questões. Para Clarice Lispector o amor é eclético “É que a própria coisa rara sentia o peito morno do que se pode chamar de Amor. (…) Há um velho equívoco sobre a palavra amor (…) amor é não ser comido, amor é achar bonita uma bota, amor é gostar da cor rara de um homem que não é negro, amor é rir de amor a um anel que brilha.”[1]
Quel Amour!? É uma coprodução da cidade de Marselha (Capital da Cultura 2013), da associação MP Culture e do Museu Colecção Berardo e cremos que sem esse carácter internacional, não teríamos acesso a algumas das obras que podemos visitar até 17 de fevereiro de 2019. Escreve o curador Éric Corne no catálogo que “pelo seu próprio título, contendo um interrobang, procura traçar possibilidades. Como tal, o olhar do visitante oscilará entre o ponto de exclamação e de interrogação, imerso na iminência da questão ou passando da estupefação para o deslumbramento”.
As opções são de uma pluralidade enriquecedora entre artistas reconhecidos internacionalmente e outros mais jovens ou cuja obra se distingue nos pequenos circuitos artísticos. Há obras em diversos suportes e utilizando diversas técnicas. Esta exposição é tão plural e inclusiva como devia ser o amor. O que é o Amor? Que tipos de amor há? Thomas Sipp põe duas crianças gémeas numa cama a responder a esta questão de uma forma descomplexada e direta em Ex-aequo (1995). Mas é só uma das inúmeras obras que podemos ver no Museu Berardo sob o auspício dos afetos.
O percurso que Jean-Francois Chougnet considera no texto do catálogo, e que é um percurso de sensibilidade, inicia-se com cartas de amor e amizade. Que melhor forma de declarar sentimentos do que a velha missiva escrita à mão? A exposição divide-se, então, em dois caminhos e o visitante tem de escolher um lado, um pouco como se perguntava antigamente às crianças: de quem gostas mais? Da mãe ou do pai? E às vezes gostávamos mais de um e outras do outro. Também aqui, podemos decidir, arrependermo-nos, voltar para trás, andar às voltas, um pouco como no amor: podemos perder-nos nas pequenas provas de contacto de Ângelo de Sousa ou na parede coberta de desenhos de Gonçalo Pena ou ainda a admirar o contorno dos seios de Chantal Akerman ao espelho, numa atividade cara ao sexo feminino.
O corpo e o desejo, estão desde sempre ligados ao amor. Nas artes plásticas, a representação do amor está muito ligada à representação do corpo: nosso, do outro e do desejo. Muitas vezes está também presente na ausência, como em SchnellWeg! (2007/2008) de Miriam Cahn, cujas figuras isoladas e nuas (sendo esta nudez muito mais que a nudez física), revelam a ausência do nosso amor ao outro enquanto sociedade: o amor coletivo, a empatia. Podemos também espreitar o voyeurismo de Wolfgang Tillmans, a parafilia retratada por Rémi Lange ou intuirmos a relação amorosa dos casais de artistas como Helena Almeida (recém-falecida) e Artur Rosa, Marina Abramovic e Ulay, Lourdes Castro e Manuel Zimbro, entre outros. Aqui, são as mulheres que se destacam (devemos até questionar se a obra de Marina Abramovic se tornou menos rica após a separação de Ulay). Ou casais como João Pedro Vale & Nuno Alexandre Ferreira que criam autoficções irónicas sobre os relacionamentos.
Quel Amour!? provoca o visitante. Não pelo que mostra, mas sim pelas questões que levanta, pelas relações afetuosas ou de confronto que tece entre as obras expostas, exponenciando sentidos e sensibilidades individuais e coletivas. Quel Amour!? Torna-se um gesto de amor pela generosidade com que partilha um mundo de afetos artísticos e de escolhas ousadas. Quel Amour!? apela ao amor sem amarras, libertário.
[1] Lispector, Clarice, Laços de Família. relógio d’água editores, lisboa, 1990, p.81