João Penalva, Stanley
João Penalva (1949) tem um corpo de obra consistente, trabalhando sobre a memorabilia de forma quase antropológica. Há em João Penalva uma metodologia de investigação obstinada e minuciosa que não deixa nada ao acaso: cada exposição sua é um todo, um mundo único entre o real e a ficção, que aguça a curiosidade do visitante. Em Stanley, Penalva debruça-se sobre a obra de outro artista, Stanley Brouwn, falecido em 2017. Brouwn foi um artista conceptual Holandês, nascido no Suriname e que é tão conhecido pela sua recusa em ser visto e pela sua atitude de eremita (chegou a destruir os seus trabalhos iniciais), como pela sua obra: sempre recusou aparecer nas suas exposições, dar entrevistas, ser fotografado ou ter a sua obra reproduzida. A unidade de medida, a distância e as suas relações com o corpo humano são o seu tema preferencial, tendo criado unidades de medida próprias.
Stanley está patente ao público no espaço Lumiar Cité da Maumaus, com curadoria de Jürgen Bock e onde João Penalva cria um percurso quase arqueológico sobre a obra de Brouwn, utilizando vários dispositivos como fotografias, instrumentos de medição, livros (objeto caro a Brouwn) e um vídeo, criando um ambiente visual e sonoro imersivo, como é hábito nas suas exposições. Também aqui, não sabemos muito bem onde começa e acaba a sua intervenção sobre a obra de Brouwn, pois o seu espírito de respigador e a sua generosidade para com o material sobre o qual trabalha, semeiam a dúvida no espírito do visitante.
No espaço Lumiar Cité da Maumaus encontramos fotografias sempre sob o tema da medição: pessoas a medir outras pessoas ou objetos, ao mesmo tempo que nos é fornecida informação biográfica sobre Stanley Brouwn. Todo o espaço é pontuado por pares de palmilhas, simulando a distância percorrida, que serviu de tema a algumas obras de Brouwn. Tudo nesta exposição remete para a medição. Para além das imagens, temos ainda instrumentos de medição antigos, desde réguas e metros de madeira até podómetros e fotómetros. Em alguns deles podemos ler a marca Stanley. Toda a exposição é visitada ao som de um vídeo (formato original em 16 mm) Accuracy in Measurement (1963) de William Boundey que, entre outras coisas, nos explica e mostra que a unidade de medida é continuamente divisível e, portanto, nunca é exata.
O espaço Lumiar Cité, desafia as convenções contemporâneas sobre como deve ser um espaço expositivo, estando muito longe do “cubo branco” anónimo da maioria das galerias de arte. Não deixa, ainda assim, de enquadrar com dignidade a obra de um artista (sobre a obra de outro artista) que também nada tem de convencional. Traz-nos à memória uma obra de Michelangelo Pistolleto Metro Cubo Di Infinito (1966) que se repete a si mesmo até ao infinito (sem que ninguém tenha acesso ao seu interior). Em Stanley vemos uma obra dentro da obra, dentro da obra, sem que o visitante saiba muito bem onde começa e acaba, mas onde interessa despertar a curiosidade e o pensamento artístico. Mais uma vez Penalva trabalha uma exposição como uma composição temática, em vez de um conjunto de obras, num espírito de compromisso entre o trabalho do artista e o do curador.