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Golden Dreams, de Sofia Castro, em torno da presença do oco na escultura

Ainda tem a possibilidade de visitar até ao final do mês de setembro a exposição individual de Sofia Castro no Project Room da Galeria Municipal em Leiria.

A mostra, bem planeada, com rigor e qualidade, apresenta uma revisitação da instalação materialização que corresponde a um dos exercícios realizados durante a investigação que fez no âmbito do Mestrado em Escultura sobre a presença do oco na escultura. Nomeia-o por via da exteriorização, tendo por base um conjunto de esculturas de fabrico macaense, deusas da fortuna, figuras em porcelana policromada, das quais se projetam os ocos em estruturas de arame e papel.

A ideia desta exposição passa também pela criação de um novo trabalho numa montagem inédita, com inteira liberdade, e foi isso que a seduziu e a levou a aceitar este desafio. O convite nasceu após a responsável ter visto um dos ensaios expositivos num primeiro momento no espaço da Capela da FBAUL, tendo sido explorado de seguida a ideia de apropriação através da ocupação e por último a ocultação. Foi assim que nasceu a obra Golden Dreams, concebida especificamente para este espaço e que dá o título à exposição.

Sofia Castro retoma a ideia do fazer na utilização reduzida de materiais, alcançando no seu todo uma depuração extrema. Trata-se de uma instalação em cana e fio de algodão, com uma estrutura suspensa, expandindo-se por toda a sala, numa evocação às ideias de leveza e inspirada no papagaio tradicional chinês. Esta ocupa de tal forma o espaço expositivo que no plano fotográfico não é possível captá-la por inteiro, até parece que a fotografia não nos deseja captar. “Agradou-me a ideia de expandir essa estrutura à construção de um abrigo”, elemento plástico do seu léxico gramatical que existe noutras peças suas.

O estudo da presença do oco na escultura, que se distingue da ideia do vazio, continua a fasciná-la. As esculturas ocas têm um historial antigo, serviram como espaços ocultos para esconder objetos como o ouro e pedras preciosas. “Um amigo meu ao ver-me trabalhar o grés comentou que eu ocava demais as peças. A minha intenção era devolver aquele material ao exterior e cuidar do interior. Deixar a peça bastante instável e ver até onde poderia ir esse limite”, afirma.

“As minhas instalações são trabalhadas para o lugar, umas vezes fundem-se e outras confundem-se” (S. Castro)

No seu percurso artístico é de salientar a criação de um projeto, em 2006, de um coletivo constituído por um número reduzido de artistas contemporâneos, sob o nome de laboratório, que rapidamente se estendeu a um leque de outros não menos significativos. Como refere João Mourão: “Criar em grupo não é tarefa fácil. Exige tempo e espaço numa conjugação de agendas e de esforços. Nos intervalos, nos momentos entre viagens; criaram os seus tempos. O espaço foi acontecendo, adotou-os e adotaram-no”. O Horto do Campo Grande foi assim a casa deste projeto, o seu porto de abrigo.

A denominação do grupo é elucidativa de uma vontade de produzir em conjunto, em experiências num jogo de partilhas cheio de entusiasmo e alegria, onde as relações humanas são bem evidentes, numa espécie de clima sensível propício através de uma cenografia exterior como palco expositivo, onde a encenação de paisagens é um dos fatores predominantes que prevalece com intervenções apresentadas em site-specific onde flui e brota a força da natureza, com caráter experimental, reduzindo a faceta do definitivo para dar lugar ao lado mais inventivo. Cada um de nós e o coletivo faz e desfaz paisagens. Os artistas jogam este jogo e a arte fala-nos da paisagem que fala de nós.

A natureza passa assim a ser o objeto da perceção imediata e da fruição estética sendo lugares reinventados pela obra e simultaneamente da obra pelos lugares. Há como uma transferência do local para a obra e da peça para o local, dotando ambos de novos sentidos. O processo modus facienti passa a ter um lugar importante para além da peça em si mesma como resultado final. Existe sobretudo um grande estímulo para traçar esse caminho de descobertas e encontros, contudo o trabalho autoral permanece solitário. “As questões que nos movem nem sempre ficam resolvidas e fechadas. A peça em si é um momento de concretização da vontade e do desejo, uma das possibilidades num determinado contexto”.

Sofia Castro nasceu em Lisboa, em 1968. É licenciada em Artes Plásticas – Escultura pela FBAUL e estudou no Ar.Co. Realizou formação em curadoria e produção de exposições, história de arte, design e vídeo. Frequentou o Mestrado em Escultura na FBAUL. A sua próxima exposição irá ser inaugurada na Fábrica da Viarco (S. João da Madeira), onde apresentará trabalhos durante a residência do coletivo, tendo essa sido tão profícua que estão a projetar uma de maior dimensão para 2019.

Manuela Synek é colaboradora da revista Umbigo há mais de dez anos. À medida que os anos vão passando, identifica-se cada vez mais com este projeto consistente, em constante mudança, inovador, arrojado e coerente na sua linha editorial. É Historiadora e Crítica de Arte. Diplomada pelo Instituto Superior de Carreiras Artísticas de Paris em Crítica de Arte e Estética. Licenciada em Estética pela Universidade de Paris I - Panthéon – Sorbonne. Possui o "Curso de Pós-Graduação em História da Arte, vertente Arte Contemporânea", pela Universidade Nova de Lisboa. É autora de livros sobre autores na área das Artes Plásticas. Tem participado em Colóquios como Conferencista ligados ao Património Artístico; Pintura; Escultura e Desenho em Universidades; Escolas Superiores e Autarquias. Ultimamente especializou-se na temática da Arte Pública e Espaço Urbano, com a análise dos trabalhos artísticos onde tem feito Comunicações. Escreve para a revista Umbigo sobre a obra de artistas na área das artes visuais que figuram no campo expositivo fazendo também a divulgação de valores emergentes portugueses com novos suportes desde a instalação, à fotografia e ao vídeo, onde o corpo surge nas suas variadas vertentes, levantando questões pertinentes.

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