Holy Motors (2012), de Leos Carax
O leitmotiv da obra de Leos Carax, cineasta francês, é a busca incessante por representações de figuras torturadas, expondo os comportamentos do ser humano em toda a sua plenitude. Este é um exercício árduo, que enfrenta com uma criatividade singular nas suas encenações. Carax explora este universo de uma forma poética através de narrativas que ficam na memória.
A sua filmografia dissonante provoca opiniões extremadas, mas nunca indiferentes. Boy Meets Girl (1984), Mauvais Sang (1986) e Les Amants du Pont-Neuf (1991) são algumas das obras que ilustram esta realidade.
Realizado em 2012, Holy Motors foi um dos filmes mais estranhos e bizarros a que já assisti e, no entanto, tão fascinante. Nada é linear, não é suposto ser.
Carax elege Paris como pano de fundo para as suas deambulações. Assim que surge a primeira cena, imergimos, subitamente, no universo complexo de Carax, revelador da enorme paixão pela arte que elegeu como sua.
Monsieur Oscar (Denis Lavant), o protagonista, encarna vários personagens à medida que a trama vai fluindo. Após a sua primeira transformação, o espectador pode esperar tudo, e é precisamente nesse momento que nos apercebemos que estamos prestes a entrar no mundo imaginário mas, no fundo, tão real, do Cinema. Carax aborda, com enorme subtileza, diversos géneros cinematográficos, criando pequenas histórias no eixo narrativo, que versam sobre a essência do Homem, num jogo metafísico de criações simbólicas.
As metamorfoses de Monsieur Oscar atingem uma dimensão dramática, quase surrealista, sendo estas um espelho de todos nós. Representam as nossas maiores fantasias, perversões, medos, os prazeres mais sombrios, nunca revelados.
Holy Motors é um retrato dos nossos ímpetos. Obscuro, porque desperta o nosso lado mais negro. Perturbador, porque questiona a nossa identidade. Carax não dá respostas. Compete ao espectador refletir sobre as dimensões psicológica e cinematográfica, ficcionadas, ou não…
Um filme com um argumento (produzido por Carax) surpreendente, belíssimo do ponto de vista cénico, e com uma banda sonora magnífica a complementar esta experiência assombrosa. Denis Lavant reinventa-se de todas as formas possíveis e impossíveis, atingindo a perfeição.
Não pretendendo desvendar muito mais acerca de Holy Motors, não posso deixar de destacar duas cenas absolutamente extraordinárias, de tal forma intensas, que nos deixam quase sem fôlego. A primeira (Monsieur Oscar assume o papel de um acordeonista), pela grandiosidade. A segunda (em que contracena com Kylie Minogue, Eva Grace), pela verdade.
E é precisamente nesta cena que vemos, uma única vez, o protagonista e Eva Grace, uma mulher com o mesmo ofício de Monsieur Oscar, ambos despidos dos personagens, num confronto com a realidade das suas frágeis e duras existências…
“(…) Who were we?
Who were we when we were who we were, back then?
Who would we have become if we’d done differently, back then?
No new beginnings
Some die, saw go on living”.
Afinal… “We were we?”
Uma obra ímpar.