Em Carlos Nogueira a paisagem é apresentada como um objeto transformador
Se tiver oportunidade não deixe de dar uma espreitadela pelo Arquivo Municipal de Lisboa | Fotográfico onde poderá ver até ao mês de setembro a exposição fotografias de trabalho. e outros desenhos, de Carlos Nogueira (n.1947- Moçambique), com a curadoria de Paula Pinto e Sofia Castro.
Depois de experiências pontuais, esta é a primeira intervenção dedicada à fotografia. Trata-se de uma mostra subtil, assinalada todo o seu percurso que concebeu ao longo dos últimos trinta anos e apesar da sua regularidade expositiva, tem-se mantido discreto no contexto artístico.
O facto de o suporte fotográfico se apresentar aqui como elemento central não o torna exclusivo na abordagem. Tem implicitamente referências à escultura e ao desenho, numa alusão articulada ao meio ambiente envolvido na natureza, e explora apontamentos formais abstratos mediante formulações espaciais e dinâmicas visuais que se reinventam. Deste conjunto fazem parte dois tipos de trabalhos: uma seleção de fotografias produzidas em diferentes momentos da sua carreira e uma coleção de postais ilustrados, aproximam-se ambos da essência visual com referência à linha da escultura.
A linguagem utilizada não funciona só por si. Não lhe interessa a imagem como resultado final, mas como uma linha contínua, num objeto em transformação, numa permanente e sucessiva descoberta. As suas fotografias não demonstram um estatuto definitivo, sugerindo antes narrativas historiadas que se deixam observar.
A minha obra centra-se em questões de raiz tectónica e poética onde conceitos como permanência, efémero e sagrado são eixos sempre presentes (C. Nogueira)
É de relevar a importância do seu trabalho em formato de instalação, que emprega materiais rígidos em alternância com elementos frágeis e assentes numa linguagem depurada. Aliás, foi nesta área que se tornou mais conhecido, acompanhado pela disciplina do desenho, imbuído de textos literários de expressão poética. “Desenhar é pensar. É também escrita, rosto e memória enquanto processo do sentir e agir”, como refere o artista. Eis porque na maioria das vezes surgem nos títulos das exposições e nas peças escritos de autoria; como se pode atestar na antológica o lugar das coisas na Gulbenkian.
Não muito longe do Arquivo, no Jardim das Galveias, surge colocada, com caráter permanente, uma peça sua, Nunca mais olhaste o céu, que esteve figurada no Pavilhão Branco na mostra A noite e branco. Neste espaço, são apresentados densos volumes paralelepipédicos geminados, de linhas fortemente geométricas, abertos na parte superior para possivelmente as esculturas poderem estar mais diretamente em contacto com o céu.
A referência à casa é um dos traços comuns nos seus projetos, numa alusão à construção, ao lugar, ao espaço das coisas próxima de estruturas arquitetónicas, jogando com a luz, a água e o som. Os volumes são formados por ripas paralelas, onde a luz intervém ativamente fazendo parte da escultura, atraindo o olhar do espetador para a presença de grandes planos. Como insiste o autor: “Interessa-me a luz. A geometria do tempo e a irreversibilidade do pensamento”. Se o mundo é a obra de um criador desconhecido, a casa é certamente a obra do Homem. Carlos Nogueira faz desta asserção a origem da poesia: a arte de erguer e habitar lugares no mundo.
A mostra levanta, assim, questões em torno do processo entre objecto/imagem e o original/reprodução. Estabelece a irreprodutibilidade do gesto, muito ao seu gosto desde o início da sua carreira, tendo começado nos primeiros anos com a ação performativa.
Num outro tipo de exercício, as imagens aqui fotografadas fixam simples momentos que passam. As fotografias como obra de arte são apresentadas como parte integrante do processo, sem começo nem fim, sendo simultaneamente registos documentais que enveredam pelo universo sensorial.
São trabalhos de autor que o artista tem vindo a registar desde os anos 70, numa afinidade pela apropriação e recombinação de objetos.
Carlos Nogueira no seu trabalho juntou fragmentos durante anos, até encontrarem o seu lugar como obras de arte e continua num percurso singular, ressurgindo igual a si próprio numa inegável coerência formal e concetual. No fundo, esta exposição pode ser vista de uma certa forma como um regresso à sua génese onde a efemeridade prevalece face ao definitivo.