A fotografia como estratégia de transformação da arquitetura urbana
Texto de Felipe Raizer*
Segundo o filósofo checo Vilém Flusser em A Filosofia da Caixa Preta, “as fotografias não são documentos objetivos sobre o mundo, mas sim superfícies visuais que expressam conceitos codificados. O aparelho que as produz está programado para interpretar o mundo de acordo com uma determinada potencialidade. O fotógrafo nessa perspetiva é um funcionário do aparelho e age em função de esgotar as potencialidades ali inscritas. Isto nos explica o porquê de a nossa sociedade produzir tantas imagens parecidas como as selfie ou as fotografias de viagens produzidas com a mesma composição e ângulo de tomada dos monumentos das cidades.
Segundo Flusser, é necessário percebermos a fotografia como um discurso visual, ideológico, que deve passar por reflexão, análise e interpretação para assim nos livrarmos da condição de funcionários programados segundo estes aparelhos.
A digitalização da fotografia, já consolidada desde 1990, ao tempo que massifica ainda mais a produção de imagens, por outro lado permite aos seus produtores buscar novas potencialidades plásticas e narrativas inserindo informações no seu processo de criação que não as específicas deste campo, como práticas, posturas e interferências transgressoras que resultem em horizontes híbridos com outros meios de expressão.
Na direção de utilizar a fotografia como estratégia para novos olhares sobre o espaço urbano, tenho procurado agir conectando diferentes espaços a partir de um processo de criação que se caracteriza por um “deixar-se perder na cidade” inspirado na “deriva”, abordagem proposta por Guy Debord, e pela proposta urbanística de Constant Nieuwenhuys, ambos pertencentes ao movimento Internacional Situacionista dos anos 1950-1960.
Durante longas caminhadas procuro realizar imagens de lugares, ruas e edifícios que aos “olhos comuns” não despertem interesse ou que passem desapercebidos pelos marcadores de informação urbana, para assim iniciar uma série de operações de criação transformadoras. Recorro à técnicas e softwares para transformar a cidade rumo à abstração, para assim alcançar uma poética da visualidade deste espaço.
O resultado deste processo muitas vezes não se assemelha com os objetos urbanos fotografados, aquilo que apresento são novos espaços muitas vezes surreais, espaços que falam sobre a cidade como um universo de possibilidades, uma imagem-virtual daquilo que escolho fotografar.
* Artista visual brasileiro, doutorando e investigador associado ao Centro de Investigação em Belas-Artes da Universidade de Lisboa. Suas imagens procuram realizar uma multiplicidade de formas de visualização e perceção através do encontro da Fotografia com outros meios como a Instalação, Escultura e Design. O artista tem como protagonista de seu projeto poético o ambiente urbano, espaço mutante e significante que aborda enquanto interface da vida humana contemporânea.