Carlos Mensil
Dia 9 de junho inaugurou, na Galeria Presença, uma exposição individual que parte do nada. É a Pensar no vazio que Carlos Mensil desenvolve uma obra que se liberta do compromisso com a atualidade ao qual os criadores contemporâneos são, frequentemente, convocados.
O artista entende que o facto de pertencer a uma determinada cultura e sociedade não constitui uma obrigação ou função social que condiciona e conduz a sua produção artística. Porém, reconhece que, no seu trabalho, há sempre, inevitavelmente, algo que reflete o que o envolve, o seu contexto, o seu tempo. É nessa dinâmica livre e, simultaneamente, consciente da realidade que se desenvolve o trabalho mais recente de Carlos, tão visual e esteticamente minimalista quanto complexo, físico, móvel e vivo. E, tal como o próprio questiona, “o que é uma obra minimal quando tem toda uma estrutura complexa que lhe dá corpo e a suspende?”. Questiona, assim, o que constitui o objecto artístico, o que lhe dá forma, o que o caracteriza e que significado ele comporta.
Ora, é precisamente, essa liberdade ou libertação de regras, de condicionamentos, limites ou barreiras que constitui o vazio da mais recente exposição, a tela branca, o mar de possibilidades infinitas, criativas e interpretativas, que representam parte da essência da arte contemporânea. O conjunto que se apresenta com um texto de sala de Nuno Faria, é constituído por catorze peças, doze delas fixas, e tão semelhantes entre si quanto individuais e únicas, e duas delas em movimento, acionadas por motores. Em comum, toda a obra mostra-se ilusória, desafiando a visão, a perceção e a lógica do que é um objecto. Ao mesmo tempo, a criação e a conceção do artista advêm da pintura, a sua área de formação, da qual o próprio mantém uma semelhante lógica de processo de trabalho, apesar do resultado se revelar profundamente distinto.
C.M. – Vou-me envolvendo com diferentes materiais, como um pintor que não usa o pincel. Quando vim de Nova Iorque, desinteressei-me pela pintura no seu sentido mais tradicional. Percebi que não precisava de tintas ou pincéis para fazer o que queria.
Foi nessa grande metrópole que Carlos sentiu o confronto com diversas matérias, com o lixo e com objetos que eram abandonados na rua por falta de uso, mas não de utilidade. Conta que, desde que frequentava a oficina do seu pai, ganhou um certo fascínio por coisas e objetos que desconhece. Aqueles que maior estranheza lhe causam, levam-no a aproximar-se, a observá-los e a trabalhá-los. É daí que advém uma distinta capacidade de adaptar materiais, reestruturá-los e reinterpretá-los consoante os diferentes contextos e, eventualmente, espaços em que serão inseridos, dispostos, algo que se pode associar ao conceito de readymade de Marcel Duchamp, uma referência que o artista considera inevitável. Foi assim que surgiram vários projetos, podendo destacar-se a série Cada um pinta como sabe (2015) que, parecendo ser site-specific, desenvolvida especialmente para o local em que é exposta, é, na verdade, mais um engano visual, na medida em que se trata de uma mesma peça que, consoante a estrutura em que é instalada, molda-se, acomoda-se e fixa-se, habitando-a na sua plenitude.
Esse e outros trabalhos encontram-se no atelier artista, na zona de Campanhã, num espaço cedido pelo Clube Desportivo de Portugal, partilhado com colegas da área, tendo sido ele o primeiro a ocupá-lo, em 2016. É aqui que se veem as construções e tudo o que se materializa em obras que surgem harmoniosas, fornecendo uma experiência estética nítida e imediata, mas que, na verdade, resultam de uma particular complexidade produtiva.
Quanto ao futuro criativo do artista, poderá encontrar-se a sua génese na Galeria Presença, na medida em que, como Carlos Mensil indica, “em cada exposição há algo que me leva para a seguinte, para o caminho a seguir, para o novo material a explorar“. Há, pois, uma continuidade artística que se constrói e solidifica em algo inesperado e particularmente cativante.