A Obra Aberta
Mariana Dias Coutinho apresenta até ao próximo dia 11 de Junho, na galeria da Livraria Sá da Costa, onze peças reunidas sob o título algo inusitado de Oh si cariño.
São onze esculturas de chão e de parede com uma notória independência processual entre si que, ao serem agrupadas metaforicamente sob a mesma sugestão erotizante e provocatória para as quais o título da exposição aponta, informam-nos implicitamente que abordam situações relacionadas com o corpo, com a pele e a sua textura, com a permeabilidade ao toque, ao tacto, ao desejo, para as quais convocam também o espectador que delas se avizinha e com elas interage, reinventando o seu lugar neste particular jogo interactivo de sentidos e ideias. Porque, de facto, quando são deslocadas do ambiente recatado e privado do atelier da artista para um espaço público, estas esculturas transportam consigo uma qualidade dinâmica e mutante; são obras abertas que lançam mais interrogações do que certezas, instaurando linhas de pensamento que o espectador, içado por vezes pela artista à condição de co-autor, deverá activar, acrescentando-lhes novas perspectivas e diferentes abordagens.
Estamos, então, perante uma exposição de carácter vincadamente performativo, no sentido em que o visitante é instado a assumir um papel activo fundamental por via da relação que vier a estabelecer com as obras expostas e de como responde ou corresponde às questões que elas colocam. Questões que se prendem com as noções de corpo, sexualidade, fruição visual e táctil, como já referimos, mas também com as ideias de limite – material e conceptual -, de fonteira – entre o que é público e privado, por exemplo -, de camadas, camadas sobrepostas, sucessivas, de sentidos e ideias que se resguardam atrás de outros sentidos mais facilmente perceptíveis, como nos revela uma das esculturas de parede apresentadas, sugestivamente intitulada Peeling them off [Descascá-las].
A dicotomia ambígua já referida sobre onde exactamente se situa a fronteira que separa o que é público do que é privado percorre toda a mostra e pode ser alargada a outros tantos domínios como, por exemplo, material/conceptual, alta/baixa cultura, sociedade de consumo/criação artística, multiplicando exponencialmente as leituras e possibilidades de entendimento do trabalho de Mariana Dias Coutinho. Com efeito, a artista procede constantemente a deslocamentos de conceitos e objectos no decurso do seu trabalho criativo, deslocamentos que promovem a descontextualização dos objectos e das formas, retirando-os do seu habitat habitual, reconfigurando-os depois em novos ambientes híbridos para os quais nos falta ainda um léxico capaz de os nomear.
Dois outros aspectos complementam as potencialidades expositivas destas obras, respectivamente, a rigorosa e, digamos, umbilical inter-relação que as onze esculturas tecem entre si, iluminando-se e esclarecendo-se reciprocamente, mas também com as características do espaço da galeria onde são apresentadas, explorando as suas potencialidades e assumindo-se claramente como instalação. O segundo aspecto que merece ser destacado tem que ver com a proliferação de materiais utilizados pela artista na elaboração das suas esculturas – contraplacado, objectos diversos, grés, acrílico, pastel seco, rede de alumínio, esponja, esmalte acrílico, tela, ferro, gesso, silicone, esponjas de loiça, cimento…
Relevando o virtuosismo evidente, que decorre da sua formação precedente em conservação e restauro, também neste caso a metodologia adoptada por Mariana Dias Coutinho consiste em apropriar-se de materiais que desconhece, explorando a sua materialidade até aos limites, físicos e plásticos, relacionando-os depois com outros materiais. Em síntese, desbravando também aqui a floresta virgem do ainda não dito.
(O autor não segue o Novo Acordo Ortográfico)