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Azimute, de Pedro Vaz, na Galeria 111

Émile Zola escrevera, certo dia, que todos os grandes artistas, de uma forma, ou de outra, nos oferecem uma versão nova e pessoal da natureza. O artista vê, dizia-nos, “através dos seus próprios olhos, e, em cada uma das suas telas, é capaz de fornecer um modo de tradução da natureza, totalmente original”.

Zola reivindicava a beleza, e não sendo mais absoluta, pertencia agora ao homem.

Assim, é como se Pedro Vaz entregasse também à natureza uma nova “alma e um novo horizonte”.

Sobre a tela crua justapõe camadas finas de tinta, de tonalidades neutras, num cuidado de verdade greenberguiana. Uma verdade que é mais interpretação da natureza do que uma busca de representação de uma ideia absoluta de beleza. Não há, pois, uma ideia ou necessidade de representar a natureza de forma abstrata.

Ainda Zola, de modo visionário, terá dito: toda a sociedade produzirá os seus artistas, e trarão com ela os seus pontos de vista, sobre a realidade, “simplificada e sincera”.

Uma manifestação de humanidade sobre a realidade da natureza, ou uma necessidade de apreensão e compreensão dessa mesma natureza. O fascínio pela autodeterminação, manifestada pelas coisas naturais, é o causador do magnetismo que a natureza autorreguladora exerce sobre o artista. Pois que, as “coisas naturais”, como diria Aristóteles, agem, e desenvolvem-se, de modo autónomo, ao contrário das coisas originárias da produção técnica, que, para se movimentarem, têm que ser estimuladas por algo externo a si mesmas. Que mistério encerram todas estas coisas que se movem por si mesmas em nosso redor, e sem estímulos exteriores? A neve derrete sozinha, as árvores, que volteiam no horizonte, ao sabor dos caprichos do vento, crescem alheias ao pensamento dos homens.

Vaz não só é atento a este movimento como quer fazer parte dele. Afunda-se no seu mistério. E com isso torna-se agente transmissor dessa mensagem que a natureza exala. Indo mais longe, torna-se ator dessa mesma natureza. Com as mãos libertas, graças a uma câmara Head Strap, o artista caminha afundando as pesadas botas na fria neve, e ao mesmo tempo que sulca a superfície fria e frágil, empunha o metal das finas varetas dos pêndulos, em busca de veios de água debaixo do solo. Este constante procurar provoca movimentos hesitantes, erráticos, mudanças abruptas de trajetos. O visitante é impelido a desenhar, mentalmente, percursos nervosos sobre o branco manto de neve, que neste caso é como se fosse o de uma “folha de papel”. Tal como o artista que, de forma indecisa e angustiada, procura, confrontado com a frieza da superfície de uma folha vazia, o lugar onde inicia o desenho.

As mãos que produzem a ação, e a câmara que liberta o artista do seu manuseio, evocam a histórica libertação da mão das obrigações artísticas, de que falava Walter Benjamin. Libertação esta que terá começado com o advento da fotografia.

A obra, que foi registada no lugar da natureza, pode agora ser reproduzida no local da galeria, “desvalorizando, de qualquer modo, o seu aqui e agora”.

Ainda a dimensão das telas, reconhecidas como essenciais por alguns artistas como Newman, denunciam uma maior adequação, pela abertura e liberdade, à representação do naturalismo. Como diria Judd, a pintura não é somente um segmento, mas um continuum. A pintura é, em si mesma, “um todo, e não apenas uma parte do todo”.

Até 23 de junho, na Galeria 111, Lisboa.

Carla Carbone nasceu em Lisboa, 1971. Estudou Desenho no Ar.co e Design de Equipamento na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Completou o Mestrado em Ensino das Artes Visuais. Escreve sobre Design desde 1999, primeiro no Semanário O Independente, depois em edições como o Anuário de Design, revista arq.a, DIF, Parq. Algumas participações em edições como a FRAME, Diário Digital, Wrongwrong, e na coleção de designers portugueses, editada pelo jornal Público. Colaborou com ilustrações para o Fanzine Flanzine e revista Gerador. (fotografia: Eurico Lino Vale)

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