Filipe Cortez
Filipe Cortez é um artista cuja capacidade plástica se revela invulgar e distinta. A sua reinterpretação das telas e dos vários materiais que utiliza sugere uma compreensão livre, alargada e plural da criação artística. Explora as áreas da pintura, do desenho, da escultura e, sobretudo, da instalação, através de formas experimentais às quais não é possível ficar indiferente.
Esta sua singularidade criativa e produtiva não passa despercebida, tendo já sido, mais do que uma vez, premiado e integrado em residências artísticas, a primeira das quais, durante seis meses, em Nova Iorque, na Residency Unlimited e, posteriormente, durante dois meses em Taipei ao abrigo da STUPIN.ORG (TKG + Projects), o que lhe possibilitou estabelecer contactos para exposições que realizou em ambas a cidades. Na capital de Taiwan, realizou uma exposição individual, na qual foram compradas cinco peças por uma colecionadora que, no passado mês de abril, expôs as mesmas por ocasião de uma coletiva.
Porém, é no Porto que a grande maioria da sua criação se materializa, numa zona central da cidade, onde tem atelier. É neste espaço que as suas plásticas e expressões se cruzam, unem e desenvolvem, tornando-se um lugar tão valioso quanto os próprios objetos que nele ganham vida.
Constança Babo – Filipe, o teu trabalho parece dividir-se entre séries de telas e instalações diversificadas nas quais combinas diferentes materiais e formas. Há algo de fundamentalmente distinto entre as várias práticas e matérias que utilizas. Sentes que, em certa medida, se tratam de duas formas de trabalho, ou é toda uma mesma pesquisa, uma mesma procura e igualmente idêntica expressão?
Filipe Cortez – Para mim, tudo parte do mesmo princípio. Não faço qualquer distinção entre as diferentes formas de trabalho. Surgem de forma natural, de um trabalho para o outro, complementando pontos do pensamento ou do conceito. No fundo, todas estas diferentes técnicas passam pelos mesmo ideais.
Layer sobre layer, história sobre história, construção e desconstrução de diferentes tempos. No fim, todas elas se fundem nessa ideia de memória e de efemeridade.
A nível conceptual, o artista interessa-se particularmente pela memória dos edifícios, algo que reconhece ter presente desde criança. Nessa altura, no seu imaginário, desenvolviam-se as histórias dos espaços por onde passava, principalmente quando estes estavam abandonados. Hoje, recorrentemente, esta mesma inquietude assalta-lhe o pensamento, como quando estava em Nova Iorque. Conta que, aí, numa estação de metro, apercebeu-se das várias camadas de tinta que se revelavam nas brechas dos pilares, pintadas umas por cima das outras, cada uma com o seu tempo, a sua história, as suas vivências.
CB – Exploras a memória e o tempo dos edifícios, principalmente dos espaços e ambientes que habitas, conheces e experiencias. Quando concebes um trabalho para apresentar numa determinada cidade e espaço, o urbanismo e a estética da arquitetura destes é o teu ponto de partida ou uma inspiração?
FC – É como se partisse da sombra para a luz. Do esquecimento para a ideia romântica de uma memória. O ponto de partida são os espaços esquecidos, casas ou bairros abandonados, invisíveis para aqueles que diariamente se cruzam com estes.
Em Nova Iorque trabalhei num dos bairros mais antigos de Manhattan e onde começa a história portuária da cidade. Já em Taipei, foi um quarteirão inteiro, fechado e abandonado, com fortes interesses comerciais, numa transformação feroz que a cidade vive com a sua modernização; sem grande espaço para manter a memória ou as raízes da cidade.
Quando estes projetos são expostos, é como se trouxesse para a luz (de um espaço expositivo) histórias e memórias da cidade, perdidas e esquecidas no tempo.
Mais próximo do final do ano, Filipe Cortez apresentará o seu mais recente trabalho em Nova Iorque, numa colectiva com outros artistas portugueses, organizada por Sérgio Parreira e, no horizonte, avizinham-se exposições que ocorrerão tão perto quanto o Porto e tão longe quanto em Hong Kong. Em todas elas, certamente, se encontrarão pinturas ou intervenções com títulos particularmente marcantes e invulgares, são próprios. Relembram-se aqui a Disenchantments, Dissection ou Contamination, alguns deles relacionando-se não somente com as obras que nomeiam, mas também com a relação que elas estabelecem com o espetador. Este último é, de facto, contaminado, intercetado, interpelado e inevitavelmente marcado ao observar tal singular trabalho. Se Filipe Cortez trabalha a memória, é também na do espetador que a sua obra se fixa, de modo único e atemporal.