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Paterson (2016), de Jim Jarmusch

Paterson, uma cidade pacata, situada em New Jersey, é o cenário eleito por Jarmusch para retratar a estória de um homem, Paterson (Adam Driver), com o mesmo nome da cidade, onde o tempo corre devagar, numa espécie de fantasia utópica, no entanto tão real.

Acompanhamos as rotinas de Paterson, motorista de autocarro, que divide a vida com a sua companheira Laura (Golshifteh Farahani), uma mulher ingénua, algo bizarra, em que a sua arte é o que a move, explorando essa sua faceta sem limites. A casa onde moram é o palco ideal para as suas deambulações artísticas, pintando desenfreadamente todos os objetos que encontra, com uma obsessão pelo preto e o branco.

Assim que o despertador toca, Paterson inicia mais um dia que o transporta aos mesmos lugares, sem se desviar por um segundo de uma trajetória que escolheu ser a dele. Sempre que pode, escreve poesia no seu caderno de notas, mas é nas suas pausas para almoço, em Passaic River Great Falls, perante um cenário idílico, que encontra maior inspiração.

“Water falls.

Water falls from bright air.

It falls like hair, falling across a young girl’s shoulders.

Water falls making pools in the asphalt, dirty mirrors with clouds and buildings inside.

It falls on the roof of my house.

It falls on my mother and on my hair.

Most people call it rain”

Terminado o seu ofício, regressa a casa para experimentar diariamente as invenções gastronómicas de Laura, que Paterson finge gostar para não magoar a sua doce amada. O equilíbrio entre estes dois personagens é absolutamente cativante.

Após o jantar, é chegada a hora de passear o cão da sua namorada, Marvin, um buldogue inglês, nada afável, e dirigir-se a um bar, em que desfruta da companhia de Doc (Barry Shabaka Henley), o anfitrião da casa, cruzando temas como o xadrez, a essência do amor, mas sobretudo poesia. Doc, embevecido, refere, com frequência, a sua “Wall of Fame”, sob o olhar atento da câmara, onde se encontram fotografias de figuras oriundas de New Jersey que fazem parte do nosso imaginário como são exemplo Rubin “Hurricane” Carter, Allen Ginsberg ou Lou Costello.

A certa altura, Jarmush foca, uma vez mais, a objetiva na “Wall of Fame”, em que o alvo de atenção é a imagem de Iggy Pop que Doc exibe, orgulhosamente, como mais um exemplo nascido em New Jersey. Este facto é ficcionado e é incluído deliberadamente porque meses mais tarde Jarmuch iria estrear um documentário sobre a banda The Stooges, intitulado Gimme Danger. Uma forma brilhante de Jarmush conseguir aguçar a curiosidade dos fãs. De salientar que o realizador tinha já colaborado com Iggy Pop em Coffee and Cigarettes (1993) e Dead Man (1995).

Num golpe certeiro, Jarmush inclui uma cena em que um turista japonês conversa com Paterson sobre o motivo que o levou a querer visitar essa cidade. E é neste momento que surge William Carlos Williams (médico e poeta americano, de New Jersey), autor do poema sobre a cidade de Paterson que tanto encantou aquele turista. Um diálogo sedutor entre os dois que fica na memória pelo seu intimismo.

A forma como Jarmuch transporta para a narrativa o universo literário, simbolizado na figura de Paterson, é notável.

Paterson é um homem que escreve poemas sobre coisas simples, e encontra neles a mesma serenidade que imprime à sua vida. É a sua forma de olhar o mundo através da sua sensibilidade. A felicidade pode ser encarada de diversas formas. Paterson encontrou a sua.

A escolha de Jarmusch em filmar esta história lentamente, sem sobressaltos é propositada, sendo obrigatório absorver cada segundo com a quietude que se impõe numa verdadeira ode à poesia.

Apesar da sua Licenciatura em Gestão de Marketing, o seu percurso nunca foi linear. Detesta as rotinas entorpecedoras e a escrita é seu refúgio. Quando inicia as suas deambulações por esse universo fica completamente alienada do mundo. Nunca se levou muito a sério. "Depus a máscara e vi-me ao espelho. — / Era a criança de há quantos anos. / Não tinha mudado nada... / É essa a vantagem de saber tirar a máscara. / É-se sempre a criança (...)" – Fernando Pessoa. Uma das suas principais características é criar empatia com todo o tipo de pessoas. A sua maior paixão é o Cinema e, sempre que pode, não abdica de longas tertúlias com os suspeitos do costume, com os quais partilha os seus estados de alma. "I try to get closer to reality, to get close to the contradictions. The cinema world can be a real world rather than a dream world.” – Michael Haneke

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