Ah, vai ser mais um lindo dia!
A campainha marca o início e o fim de cada dia. Apesar de estar enterrada até à cintura, mais tarde até ao pescoço, todas as manhãs Winnie acorda com o deslumbramento de um novo dia – “viva, luz bendita!”. Os objetos do quotidiano (e não só) guardados na mala que o marido em tempos lhe ofereceu dão-lhe matéria de entretenimento para o tempo todo. Dia após dia. Mas não apenas de entretenimento. Winnie usa-os para construir uma reflexão permanente sobre o mundo – para que não passe “um único dia sem um qualquer enriquecimento de saber, por mínimo que seja!”. Entre o deslumbramento pelas coisas que tem ao seu alcance e memórias das que já não tem, Winne fala de manhã à noite para um marido, Willie, que raramente se avista e que não sabemos se a ouve. “Sentir-te aí ao alcance da minha voz é tudo o que peço”, diz ela. Uma história de amor, alguns dirão.
Montada em cenário de Maria João Castelo, Cucha Carvalheiro revela a energia anímica que Winnie tem pela vontade de viver e pela capacidade de espanto perante coisas “tão maravilhosas!” como uma formiga a passar ou as inúmeras funções que uma sombrinha pode ter. Se é ingenuidade ou coragem, fica ao critério de cada um. O movimento do sol é a medida da passagem do tempo, essencial à consciência lúcida, e a rotina de cada dia, com horas certas para cada coisa, a engrena entre passado e futuro: “Não sei se já são horas de cantar a minha canção. Cantar cedo demais é perigoso, mas, atenção, não se pode deixar passar a hora, porque se não a campainha toca e ainda não se cantou”.
Talvez distinguindo os pessimistas dos otimistas, os textos de Samuel Beckett têm a proeza de conseguirem, na mesma plateia, pôr gente a rir, enquanto outras choram. E assim foi nesta encenação de Happy Days (1961) levada a cabo por Sandra Faleiro, no Teatro São Luiz.
Lindos Dias! estará em cena até 22 de abril, de quarta-feira a sábado, às 21h00, e domingo às 17h30.