Visita ao atelier de Sérgio Fernandes
A pouco mais de um mês da inauguração da exposição um blue, agendada para dia 19 de maio no Centro de Artes e Cultura de Ponte de Sor, o artista Sérgio Fernandes abre a porta do seu atelier para revelar a génese, os primeiros traços e pigmentos de óleo que se unem nas telas e que constituem a sua mais recente série de obras.
Dá-se, assim, a oportunidade de ver o início do que, sem dúvida, irá constituir mais um trabalho consistente, sólido, estética e visualmente cativantes, tão de acordo com o que o artista tem vindo a construir nos últimos anos de trabalho. A sua produção determina-se por uma personalidade específica e uma igualmente singular essência, bem como fortes linhas formais e estéticas que se mantêm mesmo apesar da transferência e da passagem entre cores, tons e diferentes intensidades visuais.
As suas peças, como Sérgio explica, “num primeiro contacto parecem pinturas monocromáticas, mas nunca o foram na totalidade”. São objetos com “vontade própria”, razão pela qual, o artista procura dar-lhes tempo para se revelarem, tanto durante o processo de conceção, criação e realização como no momento em que são exibidas e recebidas pelo espectador.
Tudo o que Sérgio produz advém, precisamente, de uma constante atenção que o próprio tem por determinados detalhes.
SF – Eu sempre dei muito valor ao pormenor das coisas, sejam elas quais forem. Desde miúdo que me importo muito com certos aspetos como a luz do sol, o modo como esta incide nos objetos, na matéria e como surgem as sombras e essas coisas. Lembro-me de estar sentado horas, somente a ver a vida a passar, olhar para o céu e achar esses momentos fascinantes. No fundo, para mim, é estar no mundo e fazer parte deste.
Quando questionado em relação à sua designação como pintor, ao contrário de muitos artistas contemporâneos que evitam essa terminologia considerando-a restrita e condicionante, Sérgio assume-a. Com humildade, reconhecendo o tremendo valor da consideração única como artista, com a imensidão que essa palavra acarreta, esclarece que, de facto, nunca procurou ou pretendeu ser algo que não pintor. Ao mesmo tempo, não é isso que o impede de se estender a outras práticas, como o desenho ou a assemblage.
Sediado em Lisboa, tem este seu atelier desde 2014, num piso que partilha com mais nove artistas. A sua área de trabalho é individual, o que permite que a arte que nela nasça exista na sua própria realidade, a do puro encantamento e do inefável.
SF – O espaço é muito importante, pois é a partir do próprio que tudo é produzido.
CB – E é este o teu espaço de reflexão e de conceção, onde se desenrolam os teus primeiros momentos de criação artística, ou, antes, onde te encontras com o pincel, a tinta e a tela e procedes à materialização do que já previamente idealizaste?
SF – Ambos. Eu sou bastante disciplinado, venho ao atelier todos os dias, pelo menos durante seis horas. Nesse tempo estou a produzir ou apenas a observar o que já fiz. Preciso de estar diariamente rodeado do que é meu para pensar e ver que caminho seguir. No entanto, há muita coisa que acontece fora deste espaço. É necessário ver coisas novas e estar disponível para absorver o máximo. Se ficar só no atelier, o trabalho pode começar a repetir-se ou esgotar-se.
Entre a plena liberdade contemplativa e, paralelamente, a interpretação que pode ser sugerida pelos diversos títulos das obras, importantes e compreendidos pelo Sérgio como espécies de auras das mesmas, cabe ao espectador conduzir a sua própria experiência. Esta poderá, portanto, ser essencialmente visual, ou, de acordo com o ponto de vista do artista, refletir-se numa conjugação e relação entre saudades, memórias, tempos, luzes e cores.
Como é dito no final do poema um beijo de Ana Cristina César, referência determinante, revela-se uma exposição que se construiu “sempre em blue, mas era um blue feliz”.