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Tatiana Macedo na Culturgest do Porto. Esgotaram-se os nomes para as tempestades

O espaço da Culturgest do Porto tornou-se, até ao dia 20 de maio, palco de reflexão sobre o indivíduo, a sociedade, as relações humanas e as condições culturais.

A cargo do conceituado curador, teórico e crítico Delfim Sardo, as tão particulares características arquitetónicas desse edifício histórico são, agora, na zona do grande átrio, encobertas pelo poder da imagem. É nos contornos desta última que se revelam luzes através de distintas cores, formando, assim, uma força única que se apropria do espaço e o transforma, conduzindo o olhar e a atenção do espectador através do trabalho artístico que se apresenta. O ambiente arquitetónico torna-se devém neutro e plano de fundo para o medium exposto, o vídeo.

A obra que dá vida à Culturgest, criada especificamente para a habitar, é da autoria de Tatiana Macedo (Lisboa, 1981). A artista conta com um percurso particularmente interessante e com prémios a nível internacional, tendo vindo a concretizar a sua produção artística principalmente com e a partir dos novos média, destacando-se a fotografia, o som e o que neste caso se dá a conhecer, o cinema em modo expandido. Estas novas práticas e formas de criação têm vindo a ocupar um lugar central e absolutamente determinante na esfera da arte contemporânea, sendo em exposições como a presente, com um brilhante exercício de curadoria, que as especificidades das obras são potenciadas e lhes é possibilitada uma mais efetiva aproximação ao público.

É a partir da projeção de um mesmo vídeo em quatro painéis distintos que Tatiana Macedo multiplica a imagem e, consecutivamente, também o próprio medium, estendendo-se, assim, as possibilidades deste último e, proporcionalmente, as experiências provocadas no espectador.

As projeções encontram-se temporalmente descoordenadas o que permite, por um lado, exibir em simultâneo distintos momentos da mesma narrativa, como, também, evocar e representar a passagem do tempo. A dimensão física construída é, pois, catalisadora da dimensão temporal, encontrando-se as duas relacionadas e criando, a partir daí, uma esfera percetiva e vivencial muito particular.

Ao mesmo tempo, tal disposição do objeto permite uma certa liberdade de observação, havendo, porém, duas principais formas de o fazer, ambas convidando a uma participação ativa por parte do espectador. Uma primeira consiste em percorrer o espaço do átrio da galeria, visualizando o vídeo de várias perspetivas e, uma outra, trata-se de ocupar o centro da instalação, integrando-a. O recetor do objeto artístico exerce, pois, uma decisão sobre o mesmo, sobre a forma como o quer ver, escolhendo o seu ponto de partida, observando e compreendendo o vídeo ao seu próprio ritmo. Proporcionam-se experiências aos mais diversos níveis, de acordo com os estímulos inferidos aos vários sentidos humanos, desde o mais imediato, o visual, ao auditivo, ativado pelo ruído de fundo do vídeo e, posteriormente, pelas vozes, até ao percetivo, decorrente de todo o ambiente e jogos de luz e sombra que compõem a obra. Esta pluralidade de reações provocadas no público é, pois, particularmente possível através dos novos media.

De acordo com este envolvimento profundo e físico que se desenvolve, também decorre e se estabelece uma inevitável aproximação com o personagem do vídeo, interpretado pelo reconhecido ator Nuno Lopes. Este mostra-se em introspeção profunda, a certo ponto dialogando interiormente, monólogo ao qual eventualmente se adiciona uma voz que nomeia diferentes tempestades. Assim, pode compreender-se como tanto surgem as memórias do personagem como as dos que já frequentaram o espaço histórico do Porto, o espaço utilizado para o filme, o restaurante Cunha.

A linguagem narrativa parece ser pós-modernista, estando densificada pelo cenário que, como o curador refere, é difuso e distópico, próprio de uma cinematografia dos anos 80.

Carregada de melancolia, nostalgia, forte caráter poético e igualmente denso mistério, Esgotaram-se os nomes para as tempestades é a obra e a exposição de um cinema conceptual, materializado através de uma inesperada dimensão de experiência, tão longínqua do real mas, ao mesmo tempo, tão intrinsecamente próxima de todo o homem.

Constança Babo (Porto, 1992) é doutorada em Arte dos Media e Comunicação pela Universidade Lusófona. Tem como área de investigação as artes dos novos media e a curadoria. É mestre em Estudos Artísticos - Teoria e Crítica de Arte, pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, e licenciada em Artes Visuais – Fotografia, pela Escola Superior Artística do Porto. Tem publicado artigos científicos e textos críticos. Foi research fellow no projeto internacional Beyond Matter, no Zentrum für Kunst und Medien Karlsruhe, e esteve como investigadora na Tallinn University, no projeto MODINA.

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